O favorecimento da apropriação da língua escrita nos anos finais da Educação Infantil
Revista do Instituto de Políticas Públicas de Marília, v.8, n.1, p. 21-34, Jan./Jun., 2022.
forno – com sua própria temperatura, tamanho e forma – ora, se os materiais não
mudaram nem o padeiro, a culpa só pode ser mesmo do forno.
Os professores tendem a usar sempre o mesmo material e da mesma
forma e culpabilizam os que não aprendem por não serem iguais àqueles que
aprenderam. A questão que nem todos têm a mesma “temperatura”, as crianças
não são iguais, os interesses e as vivências não são as mesmas e nem os objetivos.
Forçar que todos se interessem e aprendam a escrever pelo conteúdo sem lhes
ofertar o contexto sempre da mesma forma, ao meu ver está mais ligado a decoração
e decodificação de sinais. Dar condições para que as crianças, que já tem interesse
histórico na escrita, cheguem a se apropriar dessa linguagem a partir de seus reais
interesses, constitui o processo de apropriação da língua escrita. Porém, é preciso
respeitar e acompanhar as fases e os interesses das crianças. O professor é sempre
um pesquisador que, com sensibilidade percebe as possibilidades de seus alunos,
primeiro explorando as coisas para depois materializá-las, isso vale tanto para a
escrita quanto para qualquer oura situação de aprendizagem na escola, uma vez
que a criança precisa conhecer os signos
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, ver as coisas do mundo e atribuir-lhes
significados.
Para uma criança ser capaz de escrever ou anotar alguma coisa, duas condições
devem ser preenchidas. Em primeiro lugar, as relações da criança com as coisas
a seu redor devem ser diferenciadas de forma que tudo o que ela encontra
inclua-se em dois grupos principais: a) ou as coisas representam algum interesse
para a criança, coisas que gostaria de possuir ou com as que brinca; b)ou os
objeto são instrumentais, isto é, desempenham apenas um papel instrumental
ou
utilitário, e só tem sentido enquanto auxílio para a aquisição de algum
outro
objeto ou para a obtenção de algum objetivo, e, por isso, possuem apenas um
significado funcional para ela. Em segundo lugar, a criança deve ser capaz
de
controlar seu próprio comportamento por meio desses subsídios, e nesse
caso
eles já funcionam como sugestões que ela mesma invoca. Só quando as
relações
da criança com o mundo que a cerca se tornam diferenciadas dessa
maneira,
quando ela desenvolveu sua relação funcional com as coisas, é que
podemos
dizer que as complexas formas intelectuais do comportamento humano
começaram a se desenvolver. (LURIA, 1998, p. 145).
As metodologias e recursos escolares precisam acompanhar a rapidez
com que as coisas se modificam, ainda mais na era digital, em que as informações
circulam em uma velocidade surpreendente, não basta ensinar que o “B+A” forma
“BA”, mas mostrar que a grafia está a serviço da comunicação e não o contrário.
O que emerge da própria exposição de Bakhtin é a instabilidade e não a
estabilidade do conhecimento e, de certo modo, da própria linguagem, da
própria palavra, em razão de sua criação permanente pelas relações humanas
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Para Bakhtin/Voloshínov, “[...] o signo não se constitui fora da realidade material, mas reflete e refrata outras
realidades. Os signos somente emergem e podem existir dentro de uma realidade material e concreta. Eles com-
portam em si índices de valores que espelham e constituem os sujeitos que os utilizam e a realidade social por
onde circulam.” (GEGe, 2013, p. 93)