Delineamentos jurídico-normativos da educação inclusiva
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DELINEAMENTOS JURÍDICO-NORMATIVOS DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA:
PROBLEMATIZAÇÃO A PARTIR DAS NOÇÕES FOUCAULTIANAS DE
GOVERNAMENTALIDADE E BIOPOLÍTICA
Thiago VACELI
RESUMO: mais de 25 anos os direitos e garantias relacionados à educação inclusiva vem
sendo dispostos em leis federais, decretos e normas, apontando para um avanço das políticas sociais
inclusivas e do próprio sistema educacional inclusivo. Enaltece-se um discurso de atingimento e
consolidação de igualdade, da justiça, da busca pela diminuição das diferenças e do atendimento das
garantias e direitos constitucionalmente assegurados. Contudo, o Estado ainda se omite em
relação a muitas demandas da pessoa que possui deficiência. Surge o denominado Ativismo, que se
estrutura nas dimensões Judicial e Legislativa, com o escopo de atuação para garantir esses direitos
previstos em lei, bem como para ampliá-los. O Estado e os poderes públicos constituídos devem
estar conectados quanto à racionalidade de normatização das diferenças, sintonizando políticas
de inclusão que fortaleçam e respeitam a condição da pessoa com deficiência, garantindo a sua
presença como elemento ou sujeito a direitos, na esfera dos direitos individuais e também no
âmbito da esfera pública. lutas locais que possibilitaram os avaos da educação inclusiva, e
também da própria conexão com o ativismo, existem fatos que estão à margem, inclusive as vezes
recostados não na própria política de educação inclusiva, mas nos dispositivos de inclusão. Também
há alianças de grupos não identitários mas que muitas vezes possuem demandas e objetivos comuns,
cujas relações também apresentam singularidades próprias. Destacando a necessidade de respeito
ético das diferenças, este trabalho apresenta uma problematizando a partir das noções foucaultiana
de governamentalidade e biopolítica.
PALAVRAS-CHAVE:
Ativismo judicial; Educação inclusiva, Biopolítica.
ABSTRACT:
For more than 25 years, rights and guarantees related to inclusive education have been
laid down in federal laws, decrees and regulations, pointing to an advance
in inclusive social policies
and
the inclusive educational system itself. A discourse of achieving and consolidating equality is
praised, justice, the search for the reduction of differences and the fulfillment of constitutionally
guaranteed rights and guarantees is praised. However, the State still fails to respond to the many
demands of the person with a disability. The so-called Activism is praised, which is structured in the
Judicial and Legislative dimensions, with the scope of action to guarantee these rights provided for
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by law, as well as to expand them. The State and the constituted public powers must be connected
as
to the rationality of standardizing differences, tuning inclusion policies that strengthen and
respect the condition of the person with disabilities, guaranteeing their presence as an element or
subject to rights, in the sphere of individual rights also within the public sphere. There are local
struggles that made advances in inclusive education possible, and also of the very connection with
activism, there are facts that are on the margins, including the times reclined not in the inclusive
education policy itself, but in the inclusion devices. There are also alliances of non-identity groups
that often have common demands and goals, whose relationships also have their own singularities.
Highlighting the need for ethical respect for differences, this work presents a problematization
based on Foucault’s notions of governmentality and biopolitics.
Keywords
: Judicial activism; Inclusive education, Biopolitics.
1 INTRODUÇÃO
Ao longo do tempo as pessoas com deficiência reivindicam visibilidade
social e garantia de direitos civis. Importantes conquistas foram alcançadas no que
se refere a esses sujeitos, contudo, às duras penas, a partir de esforços incessantes,
desafios e grandes lutas.
Dados do IBGE (2010) apontam que no Brasil existem cerca de 45,6
milhões de pessoas com deficiência, o que corresponde a 23,92% da população
brasileira, números que indicam a necessidade de implementação de efetivas
políticas públicas no campo da deficiência.
Conforme a Constituição Federal, a saúde e a assistência pública, de
proteção e da garantia das pessoas com deficiência é de competência comum da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
A análise crítica e a transformação, das infraestruturas físicas vigentes,
afastando as barreiras arquitetônicas, que, eventualmente, limitem a mobilidade e
a autonomia das pessoas com deficiência é relevante.
Mais do que isso, é imprescindível, sobretudo, acolher as pessoas com
deficiência e respeitar as suas diferenças, com uma convivência solidária e fraterna.
Para a consecução desses objetivos, a bandeira dos direitos humanos e a proposta
de políticas de inclusão em relação às pessoas com deficiência, principalmente pela
educação inclusiva, é relativamente recente no Brasil, e, a despeito da existência
de normas e regulamentos, a sua efetivação é complexa.
Principalmente a partir da década de 90, passou-se a debater um
sistema educacional inclusivo, com uma educação inclusiva e de qualidade, para
todos, com a valorização das diferenças, idealizando a inclusão de estudantes
portadores de deficiência, nos contextos escolar e também social. Em tais
contextos, a Educação Inclusiva aparece em várias formas e momentos, a partir de
importantes movimentos, objetivando, inclusive, delinear formas mais avançadas
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de democratizar as perspectivas no campo da educação, e, também a integração
escolar.
Ao refletirmos a temática apresentada com o pensamento de Michel
Foucault, a pesquisa procurou construir a percepção da ordem que se apresenta,
dos processos voltados das pessoas com deficiência, que lutam por tal inclusão.
As formas de inclusão no campo educacional, especificamente da pessoa
com deficiência, assumem múltiplas dimensões, e não ficam adstritas apenas na
permanência da pessoa na sala de aula regular:
A busca por uma escola inclusiva não é simplesmente proporcionar aos alunos
com deficiência um lugar físico na classe regular, é a escola preparar-se para
recebê-lo, acreditar em seu potencial, respeitar sua dignidade, não temê-lo
como diferente, não querer torna-lo igual, assumir o desafio de fazer da escola
“(...) um local privilegiado de encontro com o outro. Este outro que é, sempre
e necessariamente, diferente.” (Mantoan, 2002, p.30)
A inclusão se dá também por outros elementos, gradientes e categorias,
como pela acessibilidade, pelo projeto pedagógico adequado à realidade individual
do aluno, com respeito aos limites do educando e pela existência de um professor
auxiliar em sala de aula, acompanhando a pessoa com deficiência, de forma que
haja uma potencialização cognitiva neste processo professor-aluno, e que
condições de uma real integração social na comunidade em que vivem.
De acordo com SASSAKI (1997, p. 41) inclusão é:
Um processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir em seus
sistemas sociais gerais pessoas com necessidades especiais e,
simultaneamente, estas se preparam para assumir
seus papéis na sociedade.
(...)
Incluir é trocar, entender, respeitar, valorizar, lutar contra exclusão, transpor
barreiras que a sociedade criou para as pessoas. É oferecer o
desenvolvimento da autonomia, por meio da colaboração de pensamentos
e formulação de juízo de valor, de modo a poder decidir, por si mesmo,
como agir nas diferentes circunstâncias da vida.
A inclusão escolar no seu desenvolvimento no Brasil tem se consolidado
como um movimento complexo, que inclui a luta social das pessoas com
deficiência, de seus familiares, bem como das associações civis, pela efetivação de
direitos básicos. Se, do ponto de vista jurídico, a legislação e os regulamentos
vigentes garantem às pessoas com deficiência o direito de acesso e de permanência
à educação básica - e, mais recentemente, ao ensino superior, mesmo num
momento complexo como o que atravessamos, a consecução de sua efetivação,
tornando-as sujeitos de direito, é problemática.
A proposta deste trabalho foi observar dimensões do próprio processo
de inclusão, primeiramente a partir de um campo jurídico e político da formação
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do autor, da atuação como advogado e, em um segundo momento a função de
assessor técnico da Câmara Municipal de Maracaí, e, de outro lado, relacionar a
ótica da própria pessoa com deficiência: suas lutas, seus desafios, as discussões que
enfrenta no dia a dia, na busca pela inclusão de forma efetiva e eficaz.
E, nesse sentido, visualiza-se o movimento da pessoa com deficiência no
sentido de buscar formas de garantir por si sua própria inclusão, especificamente
propondo ações judiciais para assegurar esse objetivo. Assim, propõe-se avançar
o estudo no campo das resistências, especificamente sobre os processos que
extrapolam um registro de inclusão que não está ainda, por assim dizer, preso no
dispositivo, propriamente dito.
A deficiência é acontecimento, é diferença, uma questão acontecimental
(PAGNI, 2015, p. 10), e o direito à educação é tido como um dos componentes
do mínimo existencial, isto é, a Constituição Federal garante a educação para
todos, em todos os níveis e de forma igualitária - em um mesmo ambiente -, de
modo a atingir o pleno desenvolvimento humano e o preparo para a cidadania
das pessoas com ou sem deficiência.
As pessoas com deficiência, os seus familiares e as associações civis têm
recorrido ao Poder Judiciário, para buscar o reconhecimento de seus direitos e
garantias previstos em lei. Trata-se do denominado ativismo judicial, importante
instrumento para defesa do direito fundamental (BARROSO, 2009, p. 09).
Sendo dever do
poder público fornecer de forma
eficiente e especializada
a concretização dos direitos e garantias de acordo com as leis, cabe ao ativismo
judicial ser um dos vieses a propugnar esse signo da resistência, na medida que
as pessoas com deficiência e a sociedade civil não devem conformar-se com uma
omissão do Estado, uma violação de um direito seu que é categórico, da sua
própria condição de cidadão.
A educação é, afinal, um direito de todos, e não basta incluir somente,
é preciso ir além, consolidando uma educação transformadora, que faça da nossa
sociedade uma realidade plural e justa, possível para todos.
As lutas e desafios, ao longo dessas décadas, portanto, fomentaram não
apenas as leis e normas de garantia da educação inclusiva, mas também estas
disposições e decisões do Poder Judiciário, enunciativas do Ativismo Judicial,
revelando uma forma de reivindicação da sociedade civil junto à lei e aos seus
direitos de inclusão. Ademais, outros embates e desafios ocorreram, de forma
transversal, que não estão ligados propriamente a uma política identitária,
alcançando inclusive, uma grande quantidade de outros sinais identitários. Esses
movimentos levaram a um segundo Ativismo, o Ativismo Legislativo, objetivando
não apenas a concretização de direitos determinados, mas a ampliação!
Nesta pesquisa serão abordados delineamentos jurídico-normativos da
educação inclusiva, problematizando a partir das noções foucaultiana
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de governamentalidade e biopolítica, ainda que este filósofo não tenha sido
propriamente um filósofo do direito.
A partir daí, objetivar-setrazer uma reflexão, problematizando, a
partir de noções foucaultianas de governamentalidade e biopolítica, a pessoa
que possui deficiência, buscando - pela perspectiva jus filosófica, a compreensão
de sua categorização como registro de anormal. O conhecimento científico
delineado foi alcançado por intermédio da utilização dos métodos dedutivo e
lógico, problematizando o ativismo pela genealogia da normalidade, no sentido
foucaultiano do termo, utilizando-se este mesmo procedimento genealógico para
problematizar também os chamados dispositivos de inclusão.
Dessa perspectiva, verificou-se os movimentos de ativismo Judicial e
Legislativo -, atuando dentro de um dispositivo jurídico que em última instância
implica em dar segurança e igualdade de
condições às pessoas com
deficiência,
e
portanto - apoiar-se no paradigma científico, que é um paradigma de uma
ideia de anormalidade.
Foucault apresenta ou refina conceitos que colaboram com a
compreensão da contemporaneidade, da nossa realidade. Estes conceitos
trabalhados pelo filósofo, viabilizam inclusive, novos arranjos investigativos e
reflexões sobre a inclusão de pessoas com deficiência na escola comum.
A pretensão desta pesquisa fazer ilações sobre o ativismo judicial
e o ativismo legislativo sob duas perspectivas, como, concomitantemente,
instrumentos de resistência e como dispositivo de governamentalidade, utilizando-
se de ferramentas conceituais desenvolvidas por Foucault.
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MARCOS REGULATÓRIOS DA LEGISLAÇÃO QUE REGULAM AS
POLÍTICAS DE INCLUSÃO
A educação especial relaciona-se às pessoas com necessidades especiais no
campo da aprendizagem, em razão de deficiência, em qualquer dos seus aspectos,
sejam eles físicos, sensoriais, mentais ou múltiplos, de quaisquer características.
Principalmente após a Constituição Federal de 1988, a inclusão social
passou a ser um imperativo do Estado brasileiro. Neste sentido, a educação escolar,
principalmente nas últimas décadas, confirmou-se como centro de estudos e de
políticas educacionais, objeto de ações biopolíticas.
Contudo, a inclusão da criança com deficiência no âmbito educacional
é, no contexto histórico e de uma forma geral, política negligenciada pelo Estado,
e os aspectos e instrumentos dessa inclusão são pautadas por discussões e desafios. Em
um contexto geral, o tipo de deficiência ou especificidade apresentado pelo aluno
foi acolhido de maneira diferenciada em cada momento histórico, não se
pensava em escola para todos, de forma igualitária e justa.
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A Constituição Federal de 1988 trouxe, também, como um dos seus
objetivos fundamentais, “promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art.3º
inciso IV), e previu a educação como um direito de todos, garantindo o pleno
desenvolvimento da pessoa (artigo 205), além de estabelecer a igualdade de
condições de acesso e permanência na escola (art. 206).
Formalmente, no Brasil a Educação Inclusiva somente começou a
fundamentar-se a partir da Conferência Mundial de Educação Especial em 1994.
Nesta Conferência houve a proclamação da Declaração de Salamanca, definindo
políticas, princípios e práticas da Educação Especial e influi nas Políticas Públicas
da Educação. (UNESCO, 1994).
A Declaração de Salamanca tratou-se de um documento que foi um
marco para a educação inclusiva, colocando a escola regular como o espaço
adequado de democratização das oportunidades educacionais, um ambiente de
integração de forma ampla, tanto em relação aos espaços sociais como em salas
de
aulas regulares.
[...] escolas deveriam acomodar todas as crianças independentemente de
suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou
outras. Aquelas deveriam incluir crianças de origem remota ou de população
nômade, crianças pertencentes a minorias linguísticas, étnicas ou culturais, e
crianças de outros grupos desvantajados ou marginalizados.” (Declaração de
Salamanca,1994).
A Declaração de Salamanca se compromete com a construção de um
sistema de educação inclusiva para todos alunos. Sem dúvida passou a influenciar
a formulação das políticas públicas da educação inclusiva, inclusive notando-se
gradual aumento das matrículas de alunos com deficiência no ensino comum.
No ano de 2007 o Governo fez expedir o Decreto 6094, que dispõe
sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação,
pela União Federal, em regime de colaboração com Municípios, Distrito Federal
e Estados.
Pelo Decreto, o acesso e a permanência no ensino regular e o
atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos deveriam ser
garantidos. Além disso, formaliza o direito certo e preciso do ingresso nas escolas
públicas, estabelece-se núcleo para a formação de professores para a educação
especial. Também foi previsto a implantação de salas de recursos multifuncionais,
com estruturação de acessibilidade arquitetônica dos prédios escolares e o acesso
e permanência das pessoas com deficiência na educação superior.
Deve haver uma complementariedade, com o aluno com deficiência
na sala de recursos com atendimento específico, mas também presente na classe
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comum com o acompanhamento contínuo do professor regular e do professor
auxiliar, especialista, complementando-se esse processo de ensino-aprendizagem.
Todos, independentes de suas características, das suas diferenças, devem acessar a
escola comum, que é o espaço adequado e viável para a escolarização das pessoas.
Atualmente, pelo Decreto n.º 10.502 (BRASIL, 2020), o Governo
Federal editou a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e
com Aprendizado ao Longo da Vida (BRASIL, 2020). No dia 18 de dezembro
de 2020, o decreto que instituiu a política foi suspenso pelo Supremo Tribunal
Federal por ferir os princípios de educação inclusiva presentes na legislação
brasileira.
3. BIOPOLÍTICA E GOVERNAMENTALIDADE PARA FOUCAULT - UM
OLHAR SOBRE A EDUCAÇÃO INCLUSIVA À LUZ DA FILOSOFIA
DE
MICHEL FOUCAULT
A utilização de Foucault para a abordagem do tema de pesquisa não é
tarefa simples, pois o filósofo não teve a educação inclusiva como o tema central
e específico do seu desenvolvimento filosófico.
Com a finalidade de possibilitar melhor entendimento do trabalho,
apresentaremos, então, definições e conceitos que serão abordados no texto,
relativos às locuções filosóficas de Foucault. As postulações de Foucaulto
ferramentas importantes para compreensão dos discursos que fundamentaram a
educação inclusiva.
Quando o Estado busca estratégias de educação inclusiva, ele tem por
objetivo esférico criar mecanismos que tornem os indivíduos e os sujeitos corpos
dóceis e úteis.
O entendimento de governamentalidade é bem delimitado em Foucault
(2008b, p. 143-144):
Governamentalidade é o conjunto constituído pelas instituições, os
procedimentos, análises e reflexões, os cálculos e táticas que permitem exercer
esta forma bem específica, embora muito complexa, de poder que tem como
alvo principal a população, por principal forma de saber a economia política e
por instrumento técnico essencial os dispositivos de segurança.
Em segundo lugar, por governamentalidade’ entendo a tendência, a linha que
força que, em todo o Ocidente, e desde muito, para a preeminência desse tipo
de poder que podemos chamar de ‘governosobre todos os outros soberania,
disciplina e que trouxe, por um lado, o desenvolvimento de toda uma série
de saberes.
Enfim, por ‘governamentalidade’, creio que deveria entender o processo, ou
antes, o resultado do processo pelo qual o Estado de justiça da Idade Média
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que nos séculos XV e XVI se tornou o Estado Administrativo, viu-se pouco a
pouco ‘Governamentalizado’.
Pela governamentalidade projeta-se a arte de governo como uma
ciência política que se programa em vários aspectos, além do político, como o
geral e social, objetivando a utilidade e docilidade do homem, com o controle
e dependência, e até mesmo ligado à sua própria identidade pelo conhecimento
de si.
Pagni (2015, p.95) descreve que “O que permanece intacto nesse jogo é
o esvaziamento de sentidos para reduzir a vida à sua racionalização, sequer lógica,
somente econômica”.
Enaltece-se a figura dos sujeitos políticos e de direito, porém na prática
e na essência é um agir quase que em função dos elementos estruturantes dessa
governamentalidade, a partir de concepções econômicas, em função da renda
acumulada e do ganho, da forma de usar essa renda para o consumo, para satisfazer
e realizar nossos desejos, de certo modo econômico. A vida como corpo biológico
torna-se objeto de uma estrutura, uma mecânica do poder, em um Estado-
governo preocupado com a administração da vida individual e populacional, cuja
finalidade é sua total normalização.
Do campo biológico extraem-se elementos estruturantes deste biopoder
que decide quem vive e quem morre:
“Quando o biológico incide sobre o político, o poder o se exerce sobre
sujeitos de direito, cujo limite é a morte, mas sobre seres vivos, de cuja vida ele
deve encarregar-se (...) a vida e seus
mecanismos
entram nos cálculos explícitos
do
poder e saber, enquanto estes se tornam agentes de transformação da vida.
(PELBART, 2003, p.05).
Pelo biopoder assegura-se o ajuste da população aos processos
econômicos, com o controle dos corpos no aparato produtivo. A pessoa
portadora de deficiência, na linha evolutiva da história, é tida inicialmente - e
essencialmente, como o anormal, remetendo-se sua condição de ser humano a
um certo descompasso com o que se pré concebia como o normal.
O paradigma científico que embasa a ideia de anormalidade também é
visualizado pelas noções foucaultianas de governamentalidade e biopolítica. Pela
perspectiva jus filosófica é possível compreender a categorização e o registro do
anormal, mais do que isso, depreende-se que a normalização é posta como uma
estratégia de biopolítica.
A normalização parte do assinalamento do normal e do anormal, das
diferentes curvas de normalidade para se determinar a norma, correlacionando-se
com a medicina psiquiátrica, analisando o desvio do modelo padrão, do comum.
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Sobre as práticas de normalização operadas na escola e este processo sob
a dimensão da naturalização da sua presença, com enquadramento pela curva de
normalidade:
Nas disciplinas, partia-se de uma norma e era em relação ao adestramento
efetuado pela norma que era possível distinguir depois o normal do anormal.
Aqui, ao contrário, vamos ter uma identificação do normal e do anormal,
vamos ter uma identificação das diferentes curvas de normalidade, e a operação
de normalização vai consistir em fazer essas diferentes distribuições de
normalidade funcionarem umas em relação as outras e [em] fazer de sorte que
as mais desfavoráveis sejam trazidas as que são mais favoráveis (FOUCAULT,
2008, p.83).
Foucault, para a concepção da ideia de anormal, produz uma espécie de
genealogia das figuras que desde a psiquiatria encarnam o signo da anormalidade
como desvio do normal.
Aliás, a caracterização relacionada à ideia de biopoder, traz uma
demarcação de fronteiras entre normalidade e desvio. Há gestões dos corpos,
lançamento de estatísticas, de registo e comparação de dados e de fatos, de
observação das características daqueles que podem ser considerados como sujeitos
perigosos ou fora da norma, categorizados como anormais.
O conceito de normalidade correlaciona-se ao que, em determinado
momento, se reconhece como sendo a média ou frequência estatística de uma
população, bem como se revela em um conceito de valor, referindo-se ao que é
considerado em um momento, em uma sociedade, fixando nas mentes e corpos
como uma função ou conduta deveria ser (CANGUILHEM, p.50).
A avaliação sobre o estado fisiológico normal é posta, não pelo cientista,
mas por uma relação necessária com as ideias dominantes no meio social em que
estão imersos o indivíduo doente e o médico.
Mesmo no ativismo judiciário, isto é na ação proativa da Justiça em
relação às decisões que envolvam a política educacional inclusiva, como
pressuposto um chamado estado de normalidade que pré-condiciona, com pré-
conceitos e juízo de valor sobre essa caracterização. Ora, pode existir determinada
lei ou norma, por exemplo, que repercute na vidada pessoa, uma vida, porém,
que nem sempre requer essa lei. Foi assim que, historicamente, transformou-se o
louco em delinquente, a pessoa com deficiência em monstro, colocando a pessoa
que não se encaixa neste conceito pré-concebido, como objetos de reclusão ao
longo da histórica.
A partir do final do século XX e início do século XXI o sentido de
exclusão de morte social e de vida ignorada pelo Estado passa a ter a conotação de
não participação de alguns em espaços e grupos culturais, identitários,
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econômicos e sociais, com a reclusão passando a ser uma condição de reeducação
e inclusão social.
Associando o conceito de saúde ao de normalidade, como frequência
estatística, qualquer anomalia passa a ser tida como patologia. Sendo assim,
qualquer variação do tipo específico - esta é a definição que Canguilhem (1990,
p. 89) de anomalia - será considerada como uma variação biológica de valor
negativo e, consequentemente, como algo que deve sofrer uma intervenção
curativo-terapêutica.
Objetivando agora não apenas tratar de curar, mas de antecipar, de
prevenir criam-se estratégias de que têm como alvo os anormais, com a psiquiatria
se instituindo como defensora da ordem social, com a psiquiatria estabelecendo
vínculos diretos entre um desvio de conduta e um estado anormal.
A psiquiatria passa a centrar na anormalidade, progressivamente, como
um estado anormal que estigmatiza e condena quem é identificado com essa
condição de registro. As formas com que Canguilhem apresenta como o normal
é definido a partir do patológico, também demonstra que uma normatividade,
uma força vital nessas vidas.
Sobre essa nova psiquiatria, diz Foucault (1999, p. 291):
O que importa para essa nova psiquiatria é o comportamento, seus desvios e
suas anomalias: ela toma como referência o desenvolvimento normativo.
A anormalidade era tratada de um modo diferente por Foucault,
compreendendo a anormalidade não pelo viés da medicina, mas no campo social,
da governamentalidade no campo macropolítico.
Como afirma Foucault (1999, p. 299):
a partir da noção de degeneração e da análise da hereditariedade surge um
novo tipo de racismo que é diferente do racismo étnico. Um racismo contra o
anormal, contra sujeitos que eram portadores de um estigma, de um defeito
qualquer.
Esse racismo se define e legitima como sendo um meio de defesa
da sociedade e nele parece resultar algumas formas de ativismo judiciário que
reconstituímos nesta pesquisa, demonstrando as insurgências do portador de
deficiência em face das formas de racismo de Estado, especificamente no campo
educacional.
A partir da ideia de Foucault quanto à governamentalidade (REVEL,
2011) extrai-se a concepção do encontro entre as técnicas de dominação exercidas
sobre os outros e as técnicas de si, consegue-se desdobrar que o ativismo teria esta
face descendente, prescritiva - e portanto atua no sentido de que o Estado cumpra
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a legislação, e também a face ascendente, que atua pelo campo legislativo, que
amplia, de alguma forma, que gera uma tensão no poder judiciário, para que haja
uma intervenção de um poder sobre o outro para que sejam ouvidos segmentos
organizados.
Essa abertura de espaço para o outro, como uma emancipação ética do
excluído, remete à ideia de diferenciação e pertencimento, que Agambem (2010,
p. 173) apresenta como povo e população.
Povo é tido de uma maneira diferente, de uma forma de se expressar
diferente, de quem não cabe no corpo social que, de certa forma os próprios
corpos não adentram. O povo é a franja que fica à margem da população. Povo
apresenta a ideia de ser esférico de população, de estar na margem, de possuir
certos dispositivos que o empurram para fora. Agambem (2010, p. 173), cita
como fratura de biopolítica, este movimento de força centrífuga que o povo busca
fugir, de não captura:
O ‘povo’ carrega, assim, desde sempre, em si, a fratura biopolítica fundamental.
Ele
é aquilo que não pode ser incluído no todo do qual faz parte, e não pode
pertencer ao conjunto no qual está desde sempre incluído. Daí as contradições
e as suas aporias às quais ele lugar toda vez que é evocado e posto em jogo na
cena política. Ele é aquilo que desde sempre, e que deve, todavia, realizar-se; é
a fonte pura de toda a identidade, e deve, porém, continuamente redefinir-se e
purificar-se através da exclusão, da ngua, do sangue, do território. Ou então,
no polo oposto, ele é aquilo que falta por essência a si mesmo e cuja a realização
coincide, portanto, com a própria abolição
Em algumas de suas obras Foucault contextualiza sobre a Ciência
Política e de Teoria do Estado, no qual a “população” ganha espaço central e
torna-se o sujeito político por excelência.
Se antes o soberano era exercido como um poder de causar a morte
para, na sociedade do controle, administra-se a manutenção e a utilidade da vida
fazendo-a crescer. O objeto de governo do soberano não será mais o indivíduo,
mas sim uma massa, uma população.
O povo é aquele que se comporta em relação a essa gestão da população, no
próprio nível da população, como se não fizesse parte desse sujeito-objeto
coletivo que é a população, como se se pusesse fora dela, e, por conseguinte,
é ele que, como povo que se recusa a ser população, vai desajustar o sistema.
(FOUCAULT, 2008, p. 57)
A população é constituída por uma multiplicidade de indivíduos em
um Estado “governamentalizado” e o povo se constitui por aqueles que não
pertencem a essa população. Mesmo com essa simbiose, de diferenciação ética de
população e povo, mantém-se uma obediência aparentemente voluntária. Ainda
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que o Estado seja biopolítico, de controle dos corpos, a população aceita como
certa naturalidade, porque deseja o enquadramento, ativada por um sentimento
de segurança e pertencimento.
Desobedecer pressupõe a divisão, pois se torna o modo de viver que não age
de acordo com a norma. Obedecer causa a sensação de pertencimento, união e
segurança. (GROS, 2018, p. 25)
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PERSPECTIVAS SOBRE O LUGAR DO DIFERENTE A DEFICIÊNCIA
COMO ACONTECIMENTO
Pelas políticas inclusivas todo um engenho, um lançamento, uma
estruturação desta
vida
dentro
de uma
racionalidade econômica. Valorizam-se
e
se enaltecem as potencialidades da pessoa com deficiência, projeta-se as suas
capacidades. Mas a concepção desta não sepela sua individualidade, mas pela
diferença, como registro. Neste ponto, a pessoa que antes estava à margem, é
capturada, e agora participa da sociedade. Contudo, a que preço? As vezes essa
potente vida, deseja unicamente ser livre:
É esse sujeito ético que as políticas de inclusão procuram, por um lado, tornar
presente, no que se refere às condições de capacitação e às potencialidades de
suas capacidades, e, por outro, fazer invisível em suas diferenças. E buscam
calar-se em relação às suas resistências, enquadrando-os em um jogo cujas
regras se alteram para que seus resultados reflitam sobre o ganho de outrem
e a satisfação pessoal de cada um. O que permanece intacto nesse jogo é o
esvaziamento de sentidos para reduzir a vida à sua racionalização, sequer lógica,
somente econômica. Não se trata mais, desse modo, de incluir para requerer
desses sujeitos que se diferenciam como anormais apenas a sua presença
como objetos, nos termos em que emergem na Idade Clássica na análise de
Foucault (2001), mas como sujeitos que participam ativamente desse jogo,
com suas capacidades, qualificações e limitações, subjugando-se, mais do que
às suas regras para poder simplesmente jogar, a um dispositivo de inclusão que
depende da expectativa de outrem em relação ao seu desempenho. (PAGNI,
2015, p. 95).
As postulações de inclusão, através de dispositivos e mecanismos,
cuidam de buscar um eu pré-formatado, que se adequa aos dispositivos de
subjetivação:
[...] a um modo de ser em que a diferença a tônica, e não a identidade.
Insisto, neste caso, nesse processo de subjetivação em que a poética teria um
lugar privilegiado, em consonância com aquela
atitude do sujeito,
para
que este
se
ocupe de si, antes de ter qualquer autoconhecimento, desgarrando-se do eu
ao
qual se aprisiona, para ser outro (de si) (Pagni, 2014).
[...] admitir que, ao invés da integração ao discurso e às políticas da inclusão,
possibilidade de que, para ser outro de si, o estranhamento suscitado na
relação com outrem e a diferença propiciada pela deficiência dele seja algo que
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o produz e o move, quando não o comove. Parece nascer de uma relação como
essa um pensar imanente da diferença, de uma ontologia, provocado por um
outro que se apresenta como uma alternativa a ser incluído, porque convoca
não a eficiência, mas a deficiência, que, por sua vez, se constitui no móvel
[...] uma linha para fazer aproximações, fomentam um eixo de pertencimento
que fossiliza os sujeitos, quando, na verdade, deveriam buscar a ampliação das
relações e processo de subjetivação, num devir do sujeito ético, de sua (trans)
formação como tal e de seu posicionar-se no mundo. (PAGNI, 2015, p. 96).
Essa racionalidade econômica se planifica quase que numa encruzilhada,
onde esses feixes disciplinares atravessam a vida da pessoa com deficiência,
cooptando-a, como se ela não desejasse, e, ainda assim e concomitantemente,
acontece uma “negociação”, uma espécie de “pacto”, que o sujeito troca e aceita
para ser incluído de um lado, e de outro estabelece-se essa racionalidade gerencial,
não macro político, mas micro político, sobretudo por intermédio, na forma de
dispositivos.
A deficiência tem na sua essência o acontecimento, e é pelo prisma
acontecimental que pode ser pensada a deficiência como diferença, relacionando-
se à sua performatividade e expressão:
O que se deve entender por “acontecimentalização”? Uma ruptura
absolutamente evidente em primeiro lugar. Ali onde se estaria bastante tentado
a se referir a uma constante histórica, ou a um traço antropológico imediato,
ou ainda a uma evidência se impondo da mesma maneira para todos, trata-
se de fazer surgir uma “singularidade”. Mostrar que não era “tão necessário
assim”; o era tão evidente que os loucos fossem reconhecidos como doentes
mentais; não era tão evidente que a única coisa a fazer com um delinqüente
fosse interná-lo; não era tão evidente que as causas da doença devessem ser
buscadas no exame individual do corpo etc. Ruptura das evidências, essas
evidências sobre as quais se apóiam nosso saber. nossos consentimentos,
nossas práticas. Tal é a primeira função teórico-política do que chamaria de
“acontecimentalização”. (FOUCAULT, 2012b, p. 339).
Pagni (2015, p. 98) faz ilações sobre as relações da pessoa com deficiência
com o outro, contextualizando a provocação de sentidos e impressões:
Esses encontros fortuitos, por vezes, e persistentes, por outras, possibilitaram,
mais do que sinais, um fortalecimento inicial para enfrentar o seu acidente
ocorrido na juventude, fazendo dele e das condições resultantes para si um
acontecimento a ser acolhido, graças a esse preparo para o impreparável e a uma
formação sem fim, propiciada por um outro com o qual aprendia cotidianamente
e enfrentava suas limitações existenciais para, nessa mesma existência, firmar-
se, pensar-se, exprimir-se. Essa relação com outro, que compreende não apenas
outras pessoas ou outrem, como também outras coisas, livros, etc. ou, mesmo,
um outro de si mesmo, suscitado em tal relacionamento, que parece válido
para aquele que, antes de ter um acidente qualquer, havia vivido sem encarná-
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lo como acontecimento, fazendo a diferenciação entre um antes e um depois
essa relação, afirmo, é ainda mais importante para aqueles que nasceram com
alguma deficiência, por um acidente genético, por exemplo. Isso porque, para
estes últimos não um antes e um depois, um sempre acidente com o
qual devem se relacionar, muitas vezes, com certa revolta, que se manifesta ao
se perceberem como deficientes por um acidente que provém de sua condição
genética, pelos estigmas sociais que os cercam e pela impossibilidade, por mais
que o desejem, de superar essas condições estabelecidas de fora, por um outro,
por um outrem e pelo mundo. Simplesmente, são deficientes, assim nasceram e
sempre serão dessa forma, salvo se forem incluídos, ainda que pouco se sintam
em condições para tal, no sentido de ultrapassar aquelas barreiras às quais estão
condicionados. Neste caso também, se um preparo ou uma formação, ela
deve implicar nessa relação com o próprio acidente, no mobilizar da revolta
para a sua afirmação na vida e para o seu acolhimento como um acontecimento
que os torna, em alguns aspectos, deficientes e, em outros, lhes permite ver
nessa deficiência a sua diferença.
5 TRANSDISCIPLINARIEDADE DA PRODUÇÃO DE FOUCAULT
CONCEPÇÃO DO ATIVISMO
Esta pesquisa articula na área da educação e do direito e pontua os
ativismos como importantes instrumentos da inclusão. Esses ativismos, judicial e
o legislativo, se manifestam pela proatividade de agentes estatais na defesa da ética,
para garantir direitos e o próprio funcionamento da sociedade, na interpretação
e na elaboração das leis.
Desta problemática apresentada, como ponto de fuga, de acertamento,
de proteção e garantias constitucionalmente asseguradas, seja coletiva ou
individualmente, destaca-se o denominado ativismo judicial.
O ativismo judicial vem recostado na idealização de se possibilitar e
determinar medidas assecuratórias de direitos estabelecidos na Constituição
Federal, principalmente quando - na análise do caso em concreto, projetar-se
discussões acerca de direitos sociais, econômicos e culturais, cuja inércia pode
potencialmente, afetar condições essenciais à sobrevivência do indivíduo.
De acordo com Barroso (2009, p. 11):
existem inúmeros precedentes de postura ativista do STF: a) “a aplicação
direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu
texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário, como se
passou em casos como o da imposição de fidelidade partidária e o da vedação
do nepotismo; b) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos
emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de
patente e ostensiva violação da Constituição, de que são exemplos as decisões
referentes à verticalização das coligações partidárias e à cláusula de barreira; c)
a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, tanto em caso de
inércia do legislador como no precedente sobre greve no serviço blico ou
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sobre criação de município como no de políticas públicas insuficientes, de
que têm sido exemplo as decisões sobre direito à saúde.
Sobre as espécies de ativismo, Gomes (2009, p.01) ensina:
o ativismo judicial possui duas espécies: “há o ativismo judicial inovador (criação,
ex novo, pelo juiz de uma norma, de um direito) e há o ativismo judicial revelador
(criação pelo juiz de uma norma, de uma regra ou de um direito, a partir dos
valores e princípios constitucionais ou a partir de uma regra lacunosa, como é o
caso do art. 71 do CP, que cuida do crime continuado). Neste último caso o juiz
chega a inovar o ordenamento jurídico, mas não no sentido de criar uma norma
nova, sim, no sentido de complementar o entendimento de um princípio ou de
um valor constitucional ou de uma regra lacunose.
O Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar a
adoção de medidas que assegurem direitos previstos constitucionalmente,
principalmente os que são, reconhecidamente, essenciais, como a educação. Isso
não configura, inclusive, violação do princípio da separação dos Poderes.
Por outro lado, o Poder Legislativo é composto por Vereadores que são
eleitos pelo povo. Atuando em forma de funções, quando o parlamentar atua,
a partir de sua competência legislativa, ele representa pelo cidadão. Assim, o
ativismo legislativo nada mais é do que a atuação indireta do cidadão, na busca
pela materialização de um direito que é seu, legitimamente.
Contudo, no ativismo judicial, temos uma questão: os representantes
do judiciário não são eleitos pelo povo, como são os do legislativo e executivo, e
daí discorre questionamento de sua legitimidade.
Quanto a esta vertente, confira-se:
As críticas ao ativismo residem na questão de que juízes e Tribunais o têm
legitimidade democrática para, em suas decisões, insurgirem-se contra atos
legalmente instituídos pelo poder eleito pelo povo. (SILVA, 2021)
O agente estatal atua em face de sua função, isto é, não gere direitos
próprios mas do Estado, do cidadão, do povo, conforme, inclusive, destacado no
parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal:
Art. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] Parágrafo único. Todo
o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição.
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Assim, não é dado ao gestor, à administração, ou a qualquer dos Poderes
a prerrogativa de no caso em concreto, deixar de reconhecer e programatizar
ações de fato e de direito com vistas à execução e concretude de interesses públicos,
da coletividade ou do próprio cidadão.
É importante que se prevaleça o dever de colaboração, de cooperação,
de controle recíprocos dos Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo, buscando
o bem comum, e assegurando os direitos individuais relativos à educação,
permitindo-se que excepcionalmente, um poder extrapole seu âmbito inicial de
atuação, com incidência na função típica do outro, afastando a individualidade
jurídica, com o objetivo nas boas consequências.
O direito do incluído não deve ser um mero prospecto, devendo ser
chancelado integralmente.
O desafio posto é a compreensibilidade desta disposição educacional
firmada, com o impulso de novas ações inclusivas que se materializem como
centro a própria pessoa com deficiência, na sua diferenciação ética.
6. ATIVISMOS JUDICIAL E LEGISLATIVO COMO DISPOSITIVOS DE
SEGURANÇA
A partir dos conceitos e ferramentas filosóficas postas por Foucault,
principalmente sobre a biopolítica e a governamentalidade, apresentados
inicialmente nesta pesquisa, transpassando pela concepção do ativismo judicial
e legislativo delineado no campo dos saberes jurídicos, entende-se que tanto os
processos de judicialização no ativismo judicial, como a atuação parlamentar, na
dimensão do ativismo legislativo, compreendem um movimento no qual os poderes
judicial e legislativo se tornam instituições estruturantes e mediadoras do viver, na
perspectiva de influência e determinação do quanto a pessoa com deficiência estará
incluída de fato e não apenas de direito, na política educacional inclusiva.
Se, para a confirmação de uma política pública educacional de inclusão,
é necessária a postulação de uma forma do ativismo judicial ou legislativo,
intervindo para a materialização de uma rede inclusiva ou de uma individualidade,
uma subjetividade, esta política inclusiva também não escapou dos mecanismos de
controle social impostos pelo poder hegemônico, revelando-se uma estruturação
de gestão coletiva de vida, do corpo da população, consubstanciando uma
governamentalidade.
Sobre as formas múltiplas descentralizadas de biopolítica, Hirschl
(2008, p. 55), aponta:
o desenvolvimento das intervenções biopolíticas ocorre cada vez mais de
maneira velada, amparadas por um saber-poder que as legitima, e emanadas de
centros de poder cada vez mais descentralizados.
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Na sua essência, os ativismos são dispositivos de governamentalidade,
ascendente e transcendente, subordinado a uma cartilha neoliberal.
Essa governamentalidade de se de forma ascendente e descendente.
Se uma determinada política educacional não é posta, passo a recorrer por outro
mecanismo, e recorro às estruturas do Poder Judiciário e/ou do Poder Legislativo,
que vêm e me conferem uma situação desejada. Eu acabo inserido numa lógica,
que, no final confirma a relação de dominação.
Ojogodegovernamentalidadetambéméumjogodegovernamentalização e
crítica. Essa crítica alinha-se à ideia de resistência, de rebelião, irrefletida contra
determinada forma de governo. Se não muito consciente, clara, no caso do
ativismo se volta em relação à não implementação de uma política social, que
deveria existir, pelos seus próprios fundamentos e natureza.
Por dispositivos entendem-se os elementos e mecanismos importantes
no entendimento da filosofia de Foucault, especialmente nos estudos sobre os
mecanismos disciplinares, na compreensão da modelação do sujeito moderno.
Revelam-se no conjunto de regras e ações que atuam distintamente na sociedade e
regem nossa conduta (FOUCAULT, 2005, p.19).
Segundo Foucault:
Através deste termo tento demarcar em primeiro lugar, um conjunto
decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações
arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas (...) O
dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre esses elementos (...) Em
segundo lugar, (...) entre estes elementos, discursivos ou não, existe um tipo
de jogo, ou seja, mudanças de posição, modificações de funções, que também
podem ser muito diferentes. Em terceiro lugar, (...) o dispositivo tem (...) uma
função estratégica importante (FOUCAULT, 2000, p. 244).
O termo aparece nas obras de Foucault na genealogia do poder na
relação de dispositivos que atravessam o espectro de uma sociedade disciplinar, e
também como elemento estruturante e instrumentalizador da arte de governar,
relacionada e direcionada a fenômenos biológico-populacionais.
Castro (2009, p. 124) pontua:
O dispositivo é a rede de relações que podem ser estabelecidas entre elementos
heterogêneos: discursos, instituições, arquitetura, regramentos, leis, medidas
administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais,
filantrópicas, o dito e o não dito. 2) O dispositivo estabelece a natureza do nexo
que pode existir entre esses elementos heterogêneos. Por exemplo, o discurso
pode aparecer como programa de uma instituição, como um elemento que
pode justificar ou ocultar uma prática, ou funcionar como uma interpretação a
priori dessa prática, oferecer-lhe um campo novo de racionalidade. 3) Trata-se
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de uma formação que, em um momento dado, teve por função responder a
uma urgência. O dispositivo tem, assim, uma função estratégica.
O dispositivo aparece em Foucault, desde as primeiras ilações sobre o
poder disciplinar, até às formulações sobre o biopoder e a governamentalidade,
estruturado em várias dimensões: dispositivos de poder, dispositivos de saber,
dispositivos disciplinares, dispositivos psiquiátricos, dispositivos de segurança,
dispositivos militares, dispositivos de soberania, dispositivo político de polícia e
dispositivos de sexualidade (FOUCAULT, 2008b).
A expressão “dispositivo de segurança”, está intrinsecamente ligada aos
“riscos” de uma política sobe a “população”, conjunto de viventes, com o foco de
análise das ações humanas a partir do princípio utilitário da adequação:
É que, na verdade (...) essa liberdade deve ser compreendida no interior das
mutações e transformações das tecnologias de poder. E, de uma maneira mais
precisa e particular, a liberdade nada mais é que o correlativo da implantação
(mise em place) dos dispositivos de segurança. (FOUCAULT, 2008a, p. 50;
p. 63).
A noção de “segurança”, emerge do contexto biopolítico, como
instrumento de regulação da ação o governo e a relação com a população:
(...) a segurança, ao contrário da lei que trabalha no imaginário e da disciplina
que trabalha no complementar da realidade, vai procurar trabalhar na realidade,
fazendo os elementos da realidade atuarem uns em relação aos outros, graças
a e através de toda uma série de análises e de disposições específicas. De modo
que se chega, a meu ver, a esse ponto que é essencial e com o qual, ao mesmo
tempo, todo o pensamento e toda a organização das sociedades políticas
modernas se encontram comprometidos: a ideia de que a política não tem de
levar até o comportamento dos homens esse conjunto de regras, que são as
regras impostas por Deus ao homem ou tomadas necessárias simplesmente por
sua natureza má. A política tem de agir no elemento de uma realidade que os
fisiocratas chamam precisamente de física, e eles vão dizer, por causa disso, que
a política é uma física, que a economia é uma física. (FOUCAULT, 2008a, p.
49; p. 62).
Do âmbito do direito um importante fundamento surge como base de
fundamento para esses ativismos: o direito ao mínimo existencial. Esse direito
destaca que a dignidade da pessoa humana está atrelada a direitos constitucionais
mínimo, como direito educação, saúde, saneamento, moradia, educação,
assistência e previdência social e o acesso à justiça, que, se não são cumpridos por
uma prestação positiva do Estado, pode ser em tese, tutelado, corrigido.
Ricardo Lobo Torres (2009, p. 19), ensina que o “núcleo ou mínimo
existencial’ está na ética e no exercício da liberdade do indivíduo, na proteção dos
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direitos humanos em sociedade e sua extensão abrange tanto direitos individuais
quanto sociais de desenvolvimento humano”.
O ativismo judicial associa-se à atuação mais intensa do Poder judiciário,
na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no
espaço dos dois poderes, sendo caracterizado pela aplicação direta da Constituição
a situações não expressamente contempladas em seu texto, e independentemente
da manifestação do legislador ordinário, pela declaração de inconstitucionalidade
dos atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos
que os de patente e ostensiva violação da Constituição, e pela imposição de
condutas e abstenções ao Poder público, notadamente em matéria de políticas
públicas. (BARROSO, 2009, p.75.)
Quanto ao ativismo legislativo, não encontra-se na doutrina e na
jurisprudência brasileira, e mesmo nos textos legais sua definição, a partir de um
postulado jurídico-normativo. Contudo a própria a atuação legislativa, em si,
é um dispositivo de atuação proativa e decorre da própria missão parlamentar, no
sentido de que quando atua, o parlamentar não o faz por si, mas sim pela função
que lhe é delegada, pelo povo, esculpida no dever de atuação de acordo com o
interesse da coletividade.
Os movimentos de ativismo judicial e legislativo, desencadeiam
conflitos políticos nas estruturas de governo, e as questões como o direito à
educação, o acesso e a permanência no ambiente escolar, bem como a existência
de elementos estruturantes para a sua integral materialização, projetam efeitos
educacionais diretos e indiretos e levam a impactos sociais. Trata-se, na essência,
de um processo no qual o judiciário, reconhecendo uma falha de gestão política
inclusive educacional, imponha ao Estado o fornecimento de determinada
prestação.
Essasões além de serem vistas como um caminho natural na busca
pela confirmação de um direito postulado no caso a educação inclusiva, seja pela
omissão do poder público, seja pela falta de texto legal que contemple a plenitude
de condições para o exercício de sua educação especial, também projetam técnicas
de governo, no sentido de possibilitar ao governo assumir o controle sobre o
corpo dos indivíduos.
O poder sobre o corpo - pelo governo, em suas múltiplas dimensões,
recosta-se na instrumentalização ou não, de ações do judiciário ou do legislativo,
exercício do qual Foucault enuncia como o “fazendo viver e deixando morrer”,
um gerenciamento da vida.
Como técnica de poderes, que são, os ativismos relacionam-se a um
processo de exclusão e inclusão, estabelecendo diretrizes às quais o sistema
educacional deveria assumir por legitimação. Pela perspectiva foucaultiana, o
objetivo da biopolítica é o controle racional das populações, o controle sobre
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a vida, e esta atuação funcional dos órgãos de governo nada mais são do que
instrumentos de intervenção desta biopolítica, através de dispositivos jurídicos
contemporâneos.
As atuações, nas dimensões judiciais ou legislativa, aparecem nos
discursos como parte de um contexto em que o Estado não garantiu o pleno
exercício de um direito que é devido, e os ativismos surgem como mecanismos
legais de efetivação de um direito ou garantia. aqui duas dimensões, a primeira
recosta no interessado, como sujeito de direitos e uma segunda, estruturada no
pensamento de assegurar uma política educacional que seja inclusiva.
O poder sobre a vida se completa então, pela política pública educacional
inclusiva que é materializada, uma planificação que se dá a partir das técnicas
disciplinares ativismos, que agem sobre o indivíduo-corpo, tornando possível
a regulação de um aspecto específico que pode vir a orientar um investimento
político pelo governo, que produz efeitos conjuntos sobre a população. Estes
ativismos na sua essência são intervenções biopolítica, amparadas por um saber-
poder que as legitima, emanadas de centros de poder.
7
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O trabalho apresenta a articulação e contribuição efetiva, tantodo
campo da educação como no campo do direito, propondo discorrer sobre
delineamentos jurídico-normativos da educação inclusiva, problematizando a
partir das noções foucaultiana de governamentalidade e biopolítica.
O Ativismo, Judicial e o Legislativo, são importantes mecanismos de
materialização das políticas de inclusão, sendo dispositivos de governamentalidade,
ascendente e transcendente.
No primeiro movimento dessa pesquisa pretendeu-
se
dar visibilidade a esse ativismo tanto judicial quanto legislativo. Contudo,
outras lutas locais que não estão acondicionadas pelo ativismo, e são tão, ou
mais
importantes, que as políticas de inclusão: são dispositivos acontecimentos
produzidos pelo deficicente que não são capturáveis e são impossíveis de serem
previstos na sua integralidade. Elas têm suas próprias singularidades e variedades,
revelando-se na forma como a inclusão vai repercutir na vida dessas pessoas, na
sua família, nas associações civis, com o entendimento sobre a própria vida do
incluído, na sua posição junto à esfera pública e não apenas de direitos individuais.
Com esse recorte, concentrou-se num segundo momento nessas
demandas agenciadas pelas lutas transversais, decorrentes da implementação das
políticas de inclusão nas escolas, tendo como centro a atuação do autor dentro do
ativismo legislativo na cidade de Maracaí. Nesse sentido promoveram-se pesquisa no
acervo eletrônico e físico da Câmara Municipal de Maracaí relativa à existênciade
legislações municipais que tivessem como objeto a educação inclusiva, bem como
foram realizadas explorações sobre projetos de lei sobre o tema, tendo em
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vista que são nestas proposições os projetos, que contemplam-se as justificativas, que
explicam a razão de apresentar uma proposta para votação, a sua necessidadee
importância.
A diferença, socialmente formulada e coletivamente conceituada,
deve ser objetivada como valor de afirmação, de valorização de igualdade, de
participação efetiva nos processos coletivos e/ou individuais, incluindo a
educação inclusiva, construindo-se espaços para viver a sua expressão, valorizando
suas experiências, seus sentidos e realidades. Sendo assim, a proposta de estudo
foi apresentar o ativismo judicial como instrumento de propulsão da educação
inclusiva sob uma ótica distinta daquela genealogicamente afilhada a psiquiatria
cuja ação implica na correção do desvio pela norma.
A partir daí, objetivou-se trazer uma reflexão, problematizando, a
partir de noções foucaultianas de governamentalidade e biopolítica, a pessoa
com deficiência, buscando - pela perspectiva jus filosófica, a compreensão de sua
categorização como registro de anormal. Nesse sentido, buscou-se problematizar
o ativismo pela genealogia da normalidade, no sentido foucaultiano do termo,
utilizando-se este mesmo procedimento genealógico para problematizar também
os chamados dispositivos de inclusão.
O conhecimento científico que se pretendeu alcançar se materializou por
intermédio da utilização dos métodos dedutivo e lógico, buscando problematizar
o ativismo pela genealogia da normalidade, no sentido foucaultiano do termo,
utilizando-se este mesmo procedimento genealógico para problematizar também
os chamados dispositivos de inclusão.
A técnica de pesquisa foi a seleção documental e bibliográfica, com
análises de posicionamentos doutrinários e o levantamento de normatizações e
mandamentos jurisdicionais correlacionados à proteção dos direitos e garantias
da pessoa com deficiência.
8 RESULTADOS
Como proposta do trabalho foi destacada a análise de casos concretos na
cidade de Maracaí, estado de São Paulo. Situações levadas ao poder judiciário,
que
envolvessem questões diretas e indiretamente à educação inclusiva, a esse
corpo desviante, e diferente.
Na cidade de Maracaí, foram identificados dois casos que envolveram
educação inclusiva e ativismos judicial. As duas situações referiam-se às
crianças entre 10 e 11 anos com Autismo ou Transtorno do Espectro Autista
TEA, grau médio. O TEA é um transtorno do desenvolvimento que leva ao
comprometimento na comunicação e na interação social.
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As mães perceberam problemas no relacionamento das crianças com
pessoas do ambiente escolar, reclusão, dificuldade de assimilação cognitiva.
Houve procura pela direção escolar e pela Secretaria Municipal de Educação
local. Contudo notou-se mais do que omissão, percebeu-se até um certo desdém
em relação às circunstâncias e características próprias dos filhos. Uma das mães
tem um segundo problema com relação à educação inclusiva, que é o fato de
residir em um Distrito, longe cerca de 30km (trinta quilômetros) da cidade. Isso
é mais um obstáculo no tratar das situações diárias que envolvem o filho.
Nos dois casos a intervenção judicial se deu através de ação proativa e
direta do Ministério Público, através da Promotoria de Justiça local, assegurando-
se a participação de um professor auxiliar durante o curso das aulas na classe
regular.
Em um contexto nacional, as decisões de educação inclusiva têm se
orientado no sentido positivo, de afirmação do ativismo judicial em questões
referente à educação inclusiva, que se reporta importante direito fundamental
social.
O ativismo legislativo aparece como forma de biopolítica descendente e
ascendente. Ascendente na medida que a formalização de uma política pública de
viés educacional, pelo ativismo, possibilita a contemplação, a instrumentalização
de determinada política que vai irradiar, interferir no campo educacional prático,
colocado sob perspectiva; e, descendente, pois quando tensionado, essas estruturas
de poder, inseridas no contexto desta governamentalidade neoliberal, destacará
novos registros, novas significâncias, para capturar esse corpo desviante.
Nesta pesquisa houve a proposição de investigação dos acervos de leis
no município de Maracaí, especificamente na Câmara Municipal, identificando-
se normas que tivessem por objeto a política educacional inclusiva. Até o ano
de 2020 a única legislação existente com relação à política pública com viés de
educação inclusiva, foi a Lei Municipal n.º 1.852/2013, de 23 de setembro de
2013, que instituiu a política municipal de mobilidade urbana. Esta lei tratou
de proporcionar o acesso amplo e democrático ao espaço urbano, priorizando os
meios de transporte coletivos e não motorizados, de forma inclusiva e sustentável.
Pode-se dizer que esta lei não teve como centro específico questões diretas
educacionais, mas situações reflexas, pois se o transporte não traz a perspectiva de
interferir diretamente no processo ensino-aprendizagem e do ambiente da escola
em si, por outro pode ser elemento importante e até determinante para viabilizar
condições da pessoa com deficiência estar no espaço escolar.
No ano de 2021 houve proposições legislativas no município de Maracaí
relacionadas à política pública educacional inclusiva, como: a) o levantamento de
todas as pessoas com deficiência do município; e, b) a fixação de obrigatoriedade
de brinquedo adaptado; c) o condicionamento de espaços públicos com ampla
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acessibilidade; d) a expedição de registro para as pessoas com autismo; e) a garantia de
reserva de vagas nos programas de estágio para o estudante com deficiência; f ) reserva
de vagas para o portador de deficiência em programa de frente de trabalho;
g) isenção de taxa de concurso público e processo seletivo para o portador de
deficiência; h) obrigatoriedade de brinquedos adaptados nos parques infantis.
Seus contornos vêm das demandas populares de resistência. Esses
processos legislativos são formas de governamentalidade, no sentido de que trazem
um signo, um registro à pessoa com deficiência. Porém, nem toda caracterização
de governamentalidade é negativa.
Do ponto de vista de perspectivas de transformação da pessoa com
deficiência, por exemplo, as leis municipais poderão repercutir nesta vida
desviante, e para melhor. Pelo levantamento das pessoas com deficiência será
possível melhor defesa dos direitos e destinação de políticas mais adequadas de
acordo com a deficiência; os brinquedos adaptados poderão proporcionar no
ambiente escolar melhor adaptação e interação da pessoa com deficiência com os
demais estudantes; o registro das pessoas com autismo possibilitará atendimento
prioritário nos atendimentos, públicos e privados, inclusive educacionais; a reserva
de vagas para o aluno com deficiência nos programas de estágio possibilitará uma
imersão dentro do ambiente escolar, uma ampla visão da estrutura educacional,
e trazer-lhe perspectivas; a frente de trabalho municipal é uma ação social
municipal para a pessoa desempregada desenvolver atividade por um período
específico, sem concurso público, em atividades mais técnicas com a reserva de
vagas para os trabalhadores com deficiência possibilitará que, eventualmente, eles
estejam presentes no espaço da escola, através do referido programa; a isenção
de pagamento de taxas de processo de seleção à pessoa com deficiência, pode
estimular que a participação de concursos e seletivas, nas mais diversas funções,
como por exemplo professor, agente educacional, monitor, reputando-se atores do
processo educacional; e, finalmente, a obrigatoriedade de brinquedos adaptados
possibilita a democratização do acesso, e mais do que isso, a interação de todos os
alunos, estimulando a colaboração e tolerância.
São ações que atuam dentro de uma lógica de enquadramento em
determinadas funções, situações específicas, contudo trazem aspectos positivos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As políticas de educação inclusiva são estruturadas sob o espectro da
proteção à igualdade, à justiça, da busca pela diminuição das diferenças e do
atendimento das garantias e direitos individualmente e constitucionalmente
assegurados.
A despeito deste delineamento jurídico-normativo, a partir de uma
análise mais profunda e complexa das políticas públicas, especificamente as
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educacionais, revelam-se uma cultura com busca à consagração dos próprios
interesses do Estado, depreendendo-se, daí, a governamentalidade, cujo fundo
de tela nada mais do que um viés do neoliberalismo intrinsecamente enraizado
no país.
A pesquisa confirma as perspectivas da omissão do Estado em relação a
determinados aspectos e dimensões da educação inclusiva e a postulação do
Ativismo, Judicial e Legislativo, como mecanismos de proteção, garantia e
ampliação de direitos, e planificar a existência de transversalidades que esses
Ativismos não atendem.
A partir da perspectiva do filósofo Michel Foucault, ficou delineado a
percepção de que o cenário da educação inclusiva no Brasil estrutura-se a partir da
concepção da governamentalidade neoliberal, e a pessoa com deficiência aindaé
tido como mero prospecto, como instrumento e objeto do mecanismo da
engrenagem econômica que regem as relações do Estado.
Contemporaneamente a política de inclusão é uma aposta do Estado
para manter o controle da informação e da economia. Aliás, está atrelada na
constituição dos sujeitos, como empresário de si mesmo. Para Klaus (2013),
a inclusão social de todos na atualidade é uma estratégia fundamental para o
funcionamento da governamentalidade neoliberal, e as questões sobre a capacidade
de opções de mobilidade de uma população relacionam-se ao investimento
para obter uma melhoria na renda e também na sua vida, repercutindo em
comportamentos contemporâneos em termos de empreendimento individual, de
empreendimento de si mesmo com investimento e renda.
Pagni (2015, p.93) referencia um alinhamento dos resultados do
investimento educacional na escola e a família, destacando a racionalidade para
qualificar e capacitar seus elementos, a fim de que também se tornem sujeitos
econômicos, oferecendo-lhes as condições para que alcancem o grau máximo
possível para si mesmos no jogo concorrencial existente e demandando-lhes que
mobilizem as forças e a potencialidade disponíveis para melhor se empreenderem
no mercado. As mobilizações que refletem desde a infância até a emancipação
jurídica do indivíduo, inclusive aquelas condições materiais, afetivas e
informacionais, são exigidas pela escola e pela família para o seu desenvolvimento
cognitivo, seu desempenho e sua performatividade.
Em um quadro de igualdade social, as políticas públicas educacionais
devem ser coerentes e correlacionadas com formas de vida plurais e que acolham
a diferença de modo o mais equitativo possível, tensionando verdades pré
estabelecidas. As políticas educacionais municipais em Maracaí postas, são quase
inexistentes, quando deveriam focar-se na potencialização da capacidade da
pessoa com deficiência, respeitando a sua diferença, que é única.
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Cabe ao Estado criar condições de materialização de ações reconhecidas
como inclusivas, visando garantir a participação de todos em distintos espaços.
Deve-se receber o aluno da forma como ele é, respeitando sua subjetividade,
acreditar no seu potencial, compreendendo a importância da escola como um local
privilegiado de encontro com o outro, sendo este outro sempre e necessariamente,
diferente (Mantoan, 2002, p.30).
Daí emerge os institutos do ativismo judicial e do ativismo legislativo,
catalisando a participação ativa do da política pública educacional na construção
da vida pessoal do aluno com deficiência, com uma existência feliz e de qualidade,
atuando esse ativismo, ainda, na construção de redes de ensino inclusivas, e como
importante meio de assegurar políticas públicas educacionais que foquem e
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