Compreendendo a agenda-setting
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COMPREENDENDO A AGENDA-SETTING E O MODELO DOS MÚLTIPLOS
FLUXOS DE JOHN KINGDON
U
NDERSTADING THE AGENDA SETTING PROCESS AND
J
OHN
K
INGDON
S
MULTIPLE STREAMS MODEL
Andréia Lopes CIRINO
Laíza Nília da SILVA
James Rocha Rodrigues MELO
RESUMO: A discussão sobre como determinadas questões tornam-se problemas públicos e
emergem na agenda governamental é primordial para a compreensão das políticas públicas e da
vida política de um Estado. A fim de modelar a escolha organizacional para entender o processo
de agenda-setting, Kingdon elaborou o Modelo dos Múltiplos Fluxos. O presente estudo buscou
compreender a agenda-setting, evidenciando a importância da mesma no cenário político. Como
resultado, ressalta-se que a criação e aplicação do Modelo de Múltiplos Fluxos fizeram com que
a agenda-setting ganhasse formas, tornando possível identificar suas etapas decisórias e os agentes
envolvidos, adicionalmente, o modelo ajuda a entender o papel das ideias neste processo, fornecendo
uma visão menos funcionalista e técnica de um processo farto de complexidades e contingências.
PALAVRAS-CHAVE:
Agenda-setting. Modelo dos Múltiplos Fluxos. John Kingdon. Políticas
Públicas.
ABSTRACT: The discussion on how certain issues emerge as public problems and enter the
government agenda is crucial to understand public policies and a country’s political life. Aiming to
build a model to capture the agenda setting process, Kingdon came up with the Multiple Fluxes
Model. This research sought to understand the agenda-setting process, while highlighting its
importance in the political environment. It was found that through the Multiple Streams Model
it is possible to draw the outlines of the agenda setting process, making it possible to identify
its decisional phases and the agents that are involved in it. Furthermore, the model helps one to
understand the role of ideas in such process, providing a less functionalist and technical approach
of a process full of complexities and contingencies.
KEYWORDS:
Agenda Setting. Multiple Streams Model. John Kingdon. Public Policies.
http://doi.org/10.36311/2447-780X.2021.v7.n1.p119-132
CIRINO, A. L.; SILVA, L. N.; MELO, J. R. R.
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INTRODUÇÃO
“Por que alguns problemas se tornam importantes para o governo?”,
esta é a pergunta que guia Kingdon em seu trabalho de 1984 Agenda, alternatives
and public policies, e para qual o autor busca uma resposta em seu Modelo dos
Múltiplos Fluxos. Neste sentido, para John Kingdon as políticas públicas são
formadas por quatro diferentes processos: formação de uma agenda, consideração
das alternativas existentes, escolha de uma alternativa e finalmente a implementação
da decisão. Vale ressaltar que no modelo de Múltiplos Fluxos, a atenção do autor
se volta para os dois primeiros processos, a formação da agenda (agenda setting) e
as possíveis alternativas para a formulação das políticas (policy formulation).
Compreender o processo de agenda-setting é o primeiro passo para revelar
os pilares das políticas públicas e da vida política de um país. Logo, identificar como
um problema ganha espaço na agenda governamental elucida como e porque
algumas questões atraem maior atenção do que outras a ponto de emergirem
políticas públicas para saná-los.
As políticas blicas são capazes de direcionar ações para contemplar
a realidade vivenciada pela sociedade, possibilitando a prática dos direitos e
protegendo os cidadãos. Dye (1992) define as políticas públicas como o que o
Governo escolhe ou não fazer, revelando que não fazer nada em relação a um
problema público, é também uma forma de fazer políticas públicas. A definição
mais conhecida é a de Laswell (1936), que expressa que quando o tema são
políticas públicas, as perguntas “quem recebe o quê?”, “por quê?”, e “que diferença
faz?”, devem ser respondidas (SOUZA, 2006). Dessa forma, os problemas
públicos de relevância reconhecida são captados pelo processo de agenda-setting e
confrontados com possíveis soluções que buscam mitigá-los (SUBIRATS, 2006).
O problema público possui como característica fundamental englobar
uma comunidade, sendo assim, as políticas públicas não se originam para
solucionar problemas individuais e sim para atender à sociedade (SUBIRATS,
2006). Após devidamente identificados e assegurada sua relevância de ordem
pública, emerge uma nova fase ou “momento” dada a sua inserção na agenda
governamental.
No trabalho de Kingdon (2003) é explicitada a diferença entre agenda
sistêmica, governamental e agenda decisional, apontando que a primeira se
constitui por questões que chamam a atenção das autoridades governamentais,
enquanto a segunda é um subconjunto da agenda governamental, composta por
questões que estão prontas para uma decisão ativa dos formuladores de políticas
Assim, é revelado que as políticas públicas, desde os primeiros passos
que levam a sua criação até a sua execução, são dotadas de complexidade. Logo,
percebe-se a importância de compreender melhor seu processo de formação.
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Mediante a este fato, emergiram modelos capazes de auxiliar nesse
entendimento. Contudo, nenhum destes modelos foi construído especificamente
para estudar políticas públicas, mas, sua constituição auxilia no modo de se
pensar sobre política, suas causas e consequências (DYE, 1992). Segundo,
Macedo e outros (2016) o Modelo de Processo ou Ciclo de Políticas Públicas, é
um dos mais utilizados, sendo este um mecanismo analítico, que foi construído
intelectualmente com o intuito de explicar uma política, todavia, o mesmo se
aplica a ordem lógica e não cronológica (VILLANUEVA, 2013).
A agenda-setting é um dos pontos fundamentais do Ciclo de Políticas
Públicas, em razão de ser uma das primeiras etapas da origem de uma política
pública. O termo agenda-setting destacou-se na década de 70, graças aos estudos
realizados por MCCombs e Shaw (1972) e de Cobb e Elder (1972). Anterior a
estas publicações, as análises de agenda estavam relacionadas com estudos voltados
para a ciência política ou para a comunicação (Capella, 2007). Durante as décadas
de 80 e 90, os estudos relacionados à policy agenda-setting, foram otimizados com
os estudos de John Kingdon (2003).
Portanto, apesar da importância de se compreender como problemas
públicos emergem na agenda-setting e concomitantemente, entender do que é
constituída a agenda-setting, os estudos na área ainda são recentes. Desta forma, o
presente estudo tem como objetivo compreender a agenda-setting, evidenciando
a importância da mesma no cenário político. De modo complementar, será
apresentado o Modelo dos Múltiplos Fluxos, construído por Kingdon para
auxiliar os estudos acerca da agenda-setting.
O presente estudo tem como pretensão contribuir para a discussão e
compreensão da agenda-setting, à vista de que ao compreender a agenda-setting
torna-se possível formular hipóteses sobre a vida política e as políticas públicas.
Após esta parte introdutória, o presente estudo divide-se em três partes,
primeiramente expõe-se a agenda-setting, após o Modelo dos Múltiplos Fluxos e,
por último, são apresentadas as considerações finais.
AGENDA-SETTING
As políticas públicas
1
são criadas com o objetivo de proporcionar
qualidade de vida e bem-estar aos cidadãos. Estas são as decisões e as ações de
governo com outros atores sociais que possuem o objetivo de solucionar questões
gerais e específicas da sociedade (HEIDEMANN, 2009). Como sugere o autor, o
Estado passa a atuar de maneira mais prática e direta na sociedade, que depreende
políticas de alcance geral, como política econômica, e de alcance setorial, como a
política de saúde.
1
Segundo Souza (2006) para a definição de políticas públicas não existe um consenso, ocasionando uma plura-
lidade que foca em aspectos diferentes.
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Por intermédio das políticas públicas, os governantes implementam
ações capazes de gerar o desenvolvimento econômico e social no espaço público.
Para tanto, é necessário que o Estado identifique as necessidades da sociedade
para
proporcionar políticas públicas coerentes.
O processo de políticas públicas pode ser representado e compreendido
por meio de modelos, especificamente, expõe-se o Modelo de Processo (Figura 1).
Apesar de ter sido criado para compreender a vida política, o Modelo de Processos
ou Ciclo de Políticas Públicas é um modelo conceitual que apresenta os vários
estágios que as políticas públicas vivenciam. As etapas ou estágios das políticas
públicas são expostas em ordem lógica e não cronológica, dentre os estágios
iniciais do Modelo de Processo encontra-se a agenda-setting.
Figura 1.
Modelo de Processo
Fonte: Elaborado pelos autores, baseado em Secchi (2014).
A agenda-setting é um importante estágio no ciclo que apresenta os
assuntos que o governo destinará atenção em um determinado momento
(KINGDON, 2003). Contudo, antes de adentrar à discussão acerca do respectivo
estágio é relevante expor brevemente o estágio antecessor, a definição do problema.
Um problema público
2
diz respeito a uma situação não ideal que é
vivenciada por um grupo de pessoas. Vários problemas públicos circundam a
2
Subirats (2006) considera o problema como a discrepância existente entre a situação atual e a situação deseja-
da. Conforme o autor, os problemas fazem parte da realidade que é vivida pelos indivíduos, necessitando que os
analistas possam construí-los e estruturá-los a fim de que sejam resolvidos.
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sociedade, alguns dizem respeito a todos, enquanto outros afetam a vida de alguns
grupos específicos.
É interessante ressaltar que nem toda questão despertará o interesse
para que seja tratada pelo poder público, isso inclusive é compreensível, tendo
em vista a quantidade de demandas que chegam aos governantes e a atividade
política que exige a adequação da agenda aos interesses políticos do grupo que
está no poder.
A agenda-setting irá englobar problemas que o governo de fato destina
esforços para resolver. Neste aspecto, é possível perceber a importância na
correspondência entre a agenda e o grupo que está no poder. Isto é, cada governo
terá uma agenda com questões, na maioria das vezes, diferentes. Este fato apoia o
estudo da agenda-setting em busca da compreensão de como a mesma é formada.
O termo agenda-setting destinado a políticas públicas (policy agenda-
setting) ganhou destaque por meio da obra de McCombs e Shaw no ano de 1972,
contudo os autores Cobb e Elder também abordaram a agenda-setting voltada para
as políticas públicas. Anteriormente as análises da agenda estavam relacionadas
com pesquisas na área da Comunicação Social (CAPELLA, 2007). Outro autor
que se destacou com os estudos da policy agenda-setting é John Kingdon com o seu
modelo dos Múltiplos Fluxos, que desenvolveu pesquisas em torno das décadas
de 1980 e 1990.
Diante do que foi apresentado sobre a agenda-setting e da relevância que
um problema possui para fazer parte da mesma, os questionamentos levantados
são: como um problema pode ser abordado na agenda-setting? O que precisa
acontecer para que ele seja tratado com atenção especial por parte do governo? É
a respeito desses questionamentos que o modelo de Kingdon é pertinente para ser
analisado em busca de resposta para as indagações colocadas.
Kingdon (2003) apresenta três tipos de agenda: sistêmica, governamental
e a decisional:
1.
Agenda sistêmica: envolve as questões de maneira geral, e desta
forma compreende os problemas que são ou não preocupações dos
governos, além das questões que são debatidas pelos cidadãos. Uma
questão entra na agenda governamental quando a mesma consegue
atrair a atenção dos formuladores de políticas, e não necessariamente
direciona ações neste sentido. Todavia, mediante ao extenso
número de questões que são apresentadas e da complexidade das
mesmas, somente algumas passam a ser consideradas.
2.
Agenda governamental: é constituída pelas questões que os governos
discutem, ou seja, ela contém as questões que conseguiram atrair
a atenção dos formuladores de políticas. Logo, a mesma avança no
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sentido de ser correspondente às questões que o governo destinará
esforços para resolver.
3.
Agenda de decisão ou decisional: é compreendida como as questões
que estão sendo encaminhadas para as esferas do poder, seja nas
esferas executiva, legislativa ou judiciária. A agenda governamental
é compreendida como um agrupamento de temáticas sobre as
quais o governo se concentra por um período, portanto, são as
questões que realmente serão consideradas em um determinado
momento. Deste modo, a agenda de decisão é um subconjunto da
agenda governamental, composta por questões que estão prontas
para uma decisão ativa dos formuladores de políticas.
Para compreender como alguns problemas são efetivamente tratadas
pelo governo, Kingdon analisa a agenda-setting por meio do modelo dos Múltiplos
Fluxos, pois, segundo ele as políticas públicas podem ser compreendidas com base
em um processo de quatro etapas, sendo elas, respectivamente: (i) formação da
agenda (agenda-setting); (ii) formulação de políticas (policy formulation); (iii)
escolha entre alternativas possíveis de políticas públicas; (iv) implementação da
alternativa escolhida. No Modelo dos Múltiplos Fluxos, Kingdon, trabalha com
as duas primeiras etapas, a agenda setting e a policy formulation, denominadas
estágios pré-decisórios.
MODELO DOS MÚLTIPLOS FLUXOS
O Modelo dos Múltiplos Fluxos foi elaborado por Kingdon a partir do
modelo Garbage Can de Cohen,March e Olsen. Segundo Kingdon (2003) a ideia
de construir o Modelo ocorreu mediante o intuito de poder modelar a escolha
organizacional para entender a definição da agenda-setting.
A elaboração do Modelo dos Múltiplos Fluxos ocorreu com o intuito
de analisar as políticas públicas nas áreas de transportes e saúde do governo dos
Estados Unidos da América. Porém, mesmo o foco de análise sendo a saúde e
o transporte, o modelo tornou-se referência nos estudos direcionados para a
formulação de políticas públicas.
Por meio do Modelo dos Múltiplos Fluxos, Kingdon debruçou seus
esforços sobre os estágios que antecedem a formulação de políticas. Tal fato
ocorreu em decorrência do modelo ser utilizado como meio de se compreender o
motivo de determinadas questões conseguirem ingressar nas agendas de políticas
governamentais.
Ademais, o Modelo dos Múltiplos Fluxos é um processo constituído
pelo o fluxo dos problemas (problem stream), o fluxo das soluções (policy stream) e
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o fluxo político (political stream). A convergência desses três fluxos (coupling) gera
a janela de oportunidades (windows) para então a questão ter acesso à agenda-
setting.
O modelo de Múltiplo Fluxos é apresentado na Figura 2.
Figura 2.
Modelo dos Múltiplos Fluxos
Fonte: Elaborado pelos autores, baseado em Capella (2007).
Problem Stream: No primeiro fluxo, Kingdon dedica-se a tratar dos
problemas, analisando de que forma as questões são identificadas como problema
e o motivo de determinados problemas atingirem a agenda e outros não. O autor
faz a diferenciação de questão e problema. A primeira trata-se de uma situação
social, que apesar de ser percebida não despertou uma ação, e deste modo,
mediante a percepção dos formuladores de políticas não deve ser feito algo. As
questões tornam-se problemas quando conseguem a atenção dos formuladores de
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políticas, emergindo neles a percepção de que é necessário ser realizado alguma
ação em contrapartida.
Os problemas são necessidades sociais relevantes que têm a ação
pública como resultado, ou seja, são os problemas que entram para a agenda. Pela
quantidade de problemas existentes o autor acredita que as pessoas se concentram
em alguns e ignorarão outros, dependendo da forma como ele é percebido
pelos formuladores e da forma como as questões são definidas como problemas
(KINGDON, 2003).
As questões que se tornam problemas utilizam de mecanismos para
conseguir a atenção dos participantes dos processos decisórios. Alguns problemas
conseguem obter maior atenção dos políticos, se comparado com outros
problemas, esta situação está relacionada com a maneira pela qual os atores
adquirem conhecimento destas situações que ocorrem na sociedade, e do modo
com que as autoridades políticas compreendem as questões e a partir de então
passam a tratá-las (KINGDON, 2003).
De acordo com Kingdon (2003) os três modos capazes de fazerem as
autoridades reconhecerem os problemas são:
1.
Indicadores, por seu intermédio as autoridades podem visualizar
como uma determinada situação é ou não problemática e a
magnitude da mesma;
2. Evento-foco, é a ocorrência de uma situação que chama mais
atenção do que as outras, como uma catástrofe e crises;
3.
Feedback de programas existentes, sendo este formal ou informal.
Para Capella (2007) indicadores não determinam a existência
comprovada de um problema, contudo, apoiam a demonstração da existência de
uma questão, principalmente por meio de dados quantitativos. Tais indicadores
podem ser custos, déficit, taxas de indicadores sociais, entre outros que apontam
para a amplitude da questão que será analisada.
Por vezes os aspectos quantitativos não são suficientes para chamar
a atenção, por isso eventos de grandes proporções como é o caso de crises e
desastres podem ser considerados a segunda maneira de despertar a atenção.
Capella (2007) explica que os eventos raramente possuem a força de levar à
agenda, mas sublinham a possível existência de um problema. Ainda de acordo
com a autora, o terceiro, que é o feedback das ações governamentais, representa o
monitoramento, acompanhamento, cumprimento do que foi estabelecido, bem
como reclamações e consequências não previstas, sendo fatores que permitem a
ascensão dos problemas à agenda.
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O primeiro fluxo apresentado por Kingdon trata majoritariamente dos
problemas, percebe-se a importância que o mesmo representa para a formação
da agenda-setting, visto que diante da escassez de recursos é fundamental que esta
etapa seja realizada com bastante segurança. A partir das formas de intensificar
o processo de identificação da questão como problema compreende-se que
existem mecanismos, que podem ser externos e não controláveis que intensificam
esse processo e que contribuem para que os formuladores de políticas possam
comprovar a existência de problemas.
Policy Stream: O segundo fluxo é denominado de fluxo das soluções sua
constituição é formada pelo conjunto de alternativas e soluções para os problemas
definidos. Nesta segunda etapa ocorre a seleção de ideias, mediante a percepção
de quais ideias são relevantes e viáveis dentro da disponibilidade de recursos
que poderão ser destinados. Contudo, destaca-se que no conjunto de todas as
alternativas possíveis, os formuladores consideram algumas mais seriamente do
que outras ideias (KINGDON, 2003).
Devido ao fato desta etapa ocorrer após a identificação do problema
público, os atores visíveis (presidente, parlamentares, ministros, burocratas, grupos
de interesse e a mídia) e invisíveis (servidores públicos, consultores, pesquisadores
e acadêmicos) propõem ideias que segundo eles são capazes de solucionar o
problema em questão. As ideias selecionadas podem se originar da combinação
entre as ideias propostas, ou de exclusão de algumas ideias, isso ocorre em razão
de muitas ideias surgirem, porém, apenas algumas são identificadas como viáveis
(KINGDON, 2003).
A criação de ideias capazes de solucionar os problemas públicos é
explicada pelo Modelo de Múltiplos Fluxos como uma equivalência do processo
biológico de seleção natural. Kingdon (2003) acredita que as alternativas não
necessariamente são formuladas para problemas específicos, ou seja, não será todo
problema que terá uma solução própria.
Por meio do entendimento de Kingdon, as soluções flutuam em
um “caldo”, sendo que algumas sobrevivem e outras não, ou talvez sofram
transformações, ou seja, assim como as moléculas flutuam no “caldo primitivo”,
as ideias de soluções são criadas em policy communities e flutuam em um policy
primeval soup. Neste meio as ideias competem, se combinam ou são descartadas,
emergindo apenas aquelas que possuem um maior grau de viabilidade e
sobrevivência.
As policy communities são constituídas por pesquisadores, acadêmicos,
assessores parlamentares, funcionários públicos, analistas pertencentes a grupos
de interesses, entre outros atores que possuem seus esforços direcionados para uma
policy area. As ideias e propostas difundidas pelas policies communities, pelo
processo denominado softenup, não representam uma visão monolítica da
comunidade que as produzem, mas indicam na verdade o reconhecimento dessas
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ideias como relevantes dentro do grande conjunto de ideias possíveis (CAPELLA,
2007).
O segundo fluxo proposto por Kingdon assim como o primeiro, tem
fundamental importância para construir uma agenda, visto que existe a necessidade
de soluções para os problemas que são identificados. É neste momento que as
alternativas são avaliadas e escolhidas objetivando a melhor escolha.
Political Stream
:
O terceiro fluxo dispõe sobre a dimensão política que
apresenta suas próprias dinâmicas e regras (CAPELLA, 2007). Logo, esta etapa
possui suas regras e dimensões próprias, sendo assim independente dos fluxos
anteriores.
Neste fluxo é construído o consenso de ideias por meio de coalizões e
negociações, que ao contrário do Problem Stream e do Policy Stream, as soluções
são construídas por negociação e barganha e não pela difusão de ideias. Os três
principais elementos dentro do Political Stream capazes de exercer influência
sobre a agenda governamental são:
1.
Humor nacional (national mood) - sinaliza uma situação que, por
um período determinado de tempo, várias pessoas compartilham o
interesse pelas mesmas questões, assim, o humor nacional viabiliza
que uma questão seja percebida pelos tomadores de decisão uma
vez que gera repercussão acalorada em torno da questão, tendo a
função de estimular quanto desestimular (CAPELLA, 2007).
2. Fluxo político ou forças políticas organizadas - podem ser no
sentido de apoio quanto de oposição sobre determinada questão,
segundo Capella (2007) quando há consenso entre os grupos de
interesse o ambiente se torna propício para que ocorra a mudança.
Contudo, quando existe conflito no grupo os favoráveis a uma
determinada proposta procuram identificar setores de apoio ou
contrários à questão fazer parte da agenda, na intenção de analisar
as forças em jogo. Esse elemento corresponde às opiniões que
podem ser percebidas dentro do setor público e que garantem
apoio ou oposição quanto às ideias defendidas pelos grupos.
3. Mudanças internas no governo está atrelada a mudança de
servidores na estrutura governamental, troca de gestão, alterações
no congresso, mudanças de chefia, entre outras que fazem parte da
atividade pública (CAPELLA, 2007).
A união desses três elementos é capaz de ocasionar uma mudança de
agenda. Desta forma, a união destes três acontecimentos fomenta a inserção de
novos elementos na agenda-setting, consequentemente, eles também são capazes
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de impedir ou limitar a permanência de outras questões (KINGDON, 2003).
O autor destaca o humor nacional e as mudanças do governo como os maiores
incentivadores de mudanças na agenda governamental.
Os três fluxos apresentados em um determinado momento convergem
entre si, fazendo com que a janela de oportunidades se abra. Este momento
caracteriza-se como propício para que problemas sejam incluídos na agenda, bem
como que alterações sejam realizadas. Assim, a Policy Window ocorre mediante ao
reconhecimento do problema público, da apresentação de sua solução e uma
política propícia para recebê-lo no ato de sua admissão na agenda. Desta forma, a
alteração da agenda ocorre mediante a junção dos três fluxos, contudo, ressalta-se
que a abertura na agenda possui caráter provisório (KINGDON, 2003).
De acordo com Kingdon (2003), outro fator que contribui para inserção
de uma questão na agenda e consequentemente para a criação de alternativas são
os atores que estão envoltos nesse processo, pois segundo o Modelo de Múltiplos
Fluxos atores visíveis ou invisíveis extremamente influentes no processo da
agenda-setting.
Dentre os atores visíveis estão o presidente, sendo o principal deles,
os ministros, parlamentares, partidos políticos, burocratas, grupos de interesse
e a dia. Por outro lado, os invisíveis são os servidores públicos, assessores
parlamentares, acadêmicos, pesquisadores e consultores. Por meio da identificação,
os atores visíveis são os que possuem atuação mais influente na definição da
agenda e os invisíveis são na escolha das alternativas, com atuação principalmente
na agenda de decisão (CAPELLA, 2007).
Ressalta-se que a mídia não possui um papel dominante no processo da
agenda-setting, contudo a mesma possui a capacidade de ampliar as questões que
estão inseridas na agenda, podendo assim influenciar no desenvolvimento das
mesmas, assim, por mais que a mídia não seja capaz de criar questões, ela é capaz
auxiliar na identificação e estruturação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A agenda-setting é uma etapa de grande importância no Ciclo de
Políticas Públicas, em virtude de incorporar os problemas que foram identificados
como prioritários pelos governantes. Neste contexto, os estudos realizados por
John Kingdon sobre agenda-setting ampliaram a discussão sobre como algumas
questões emergem na agenda e outras não. Adicionalmente, estes estudos
contribuíram para o maior entendimento da agenda-setting e das questões que a
envolvem, reforçando assim os estudos que haviam sido realizados na década
de 70, por outros pesquisadores.
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Através da análise dos estudos de Kingdon sobre o processo de formação
da
agenda bem como de sua alteração, é possível compreender o que realmente
afeta para que um problema tenha como resultado uma política pública e como
é complexo as etapas que o mesmo percorre. Ademais, é destacado o quão
importante é a compreensão de como certos problemas atingem a agenda-setting,
pois diante da quantidade de problemas que são demandados é fundamental que
algum processo seja capaz de explicar os motivos de ascensão de uns e da falta
de ação perante outros. A partir disso, os estudos são importantes no Brasil para
compreender os conceitos em torno da agenda-setting que refletem na resolução
de problemas públicos e nas políticas públicas. O estudo da agenda-setting
permite analisar o processo de construção de problemas e soluções que geram
mudanças no processo e nas dinâmicas das políticas públicas. Destaca-se a partir
disso, o processo de mudança que resulta em algumas questões terem prioridade
governamental e se tornarem públicas.
Definido por um caráter pós positivistas, o modelo de John Kingdon
possui como peça central as ideias, apresentando um ambiente de disputa entre
definições de problemas e geração de alternativas e soluções. O modelo ainda é
caracterizado por ser balizado por uma lógica contingencial, onde a mudança na
agenda governamental é alcançada através da combinação de problemas, soluções
e momentos políticos.
Neste sentido, encontra-se a crítica concernente à estrutura do modelo,
no sentido de que esta seria demasiadamente fluida, onde não o estabelecimento
mecânico de relações entre problemas e alternativa (CAPELLA, 2006). Desta
forma, para alguns estudiosos do campo, o modelo se baseia em explicações
fundadas em eventos aleatórios e fortuitos. Capella (2006) aponta ainda um
outro ponto que se em relação às críticas sobre a ideia de independência dos
fluxos, que para muitos autores deveria ser abandonada uma vez que evidência
de ligações entre os fluxos em momentos distintos das aberturas de janelas ou na
convergência final.
Entretanto, ressalta-se que a criação e aplicação do Modelo de Múltiplos
Fluxos fez com que a agenda-setting ganhasse formas, tornando possível identificar
suas etapas decisórias e os agentes envolvidos. O modelo ajuda a entender o papel
das ideias neste processo, fornecendo uma visão menos funcionalista e técnica de
um processo farto de complexidades e contingências.
Os fatos apontados comprovam a importância e o motivo dos estudos do
Kingdon serem utilizados até os tempos atuais, pois, o autor consegue apontar
aspectos que são fundamentais e que explicam o real motivo da emersão de
determinadas políticas públicas.
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Submetido em: 04/04/2021
Aprovado em: 30/08/2021
CIRINO, A. L.; SILVA, L. N.; MELO, J. R. R.
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Revista do Instituto de Políticas Públicas de Marília, v.7, n.1, p. 119-132, Jan/Jun., 2021