ALMEIDA, J. Q.; CASTRO, A.
Revista do Instituto de Políticas Públicas de Marília, v.7, n.1, p. 27-40, Jan/Jun., 2021
de capacidade técnica com respeito à sua área de atuação profissional, fornecendo,
assim, a necessária homogeneidade e consciência de suas incumbências, não só
dentro de seu próprio campo, mas estendendo-a a outros campos mais próximos
de sua atuação. (VOZA, 2017).
Enquanto na definição de Benda, os intelectuais eram compostos por
um reduzidíssimo e seleto grupo de reis filósofos, sábios superdotados, como
Sócrates e Jesus Cristo (SAID, 2005). A formulação de Benda se coloca mais como
uma crítica aos intelectuais de sua época, envoltos pelo escandaloso e polêmico
acontecimento da Terceira República Francesa em 1894, conhecido como o caso
Alfred Dreyfus
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, do que, como uma análise do papel desempenhado por estes
intelectuais na sociedade. Para Said (2005, p. 23-24):
A análise social que Gramsci faz do intelectual como uma pessoa que preenche
um conjunto particular de funções na sociedade está muito mais próxima da
realidade do que tudo que Benda escreveu, sobretudo no fim do século XX,
quando tantas profissões novas – locutores de rádio e apresentadores de
programa de TV, profissionais acadêmicos, analistas de informática, advogados
da área de esportes e de meios de comunicação, consultores de administração,
especialistas em política, conselheiros do governo, autores de relatórios de
mercado especializados e até mesmo a área do moderno jornalismo de massa –
têm sustentado a visão do filósofo italiano.
Somos permanentemente mediados pela constante e atuante presença
dos intelectuais em nossos contatos sociais. Tal mediação se revela na maioria das
decisões tomadas pelas pessoas, como a escolha de um candidato em uma eleição,
a aquisição de um imóvel, a carreira a seguir ou, até mesmo, em simples práticas
da vida cotidiana, como a escolha de produtos na prateleira do supermercado, a
cor da roupa a se vestir, o suco natural em detrimento ao refrigerante, etc.
Seriamos afetados em nossas maneiras de pensar, sentir, e, sobretudo,
agir pela maneira desditosa formulada pelos intelectuais? A resposta para essa
questão precisa levar em conta as mudanças provocadas pela complexificação da
estrutura de classes engendradas ao longo do processo de reorganização social
do trabalho, oriundo do modo de produção capitalista. “O advento da indústria
moderna conduziu a uma crescente simplificação dos ofícios, reduzindo a
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Em 1894 Alfred Dreyfus, Capitão do exército francês, foi acusado de espionagem pelo alto comando do exérci-
to. O caso ganhou notoriedade por conta do acusado ser judeu e pelo envolvimento de diversos intelectuais em
defesa de Dreyfus. O episódio se apoiava no antissemitismo da opinião pública. Dreyfus, considerado inocente,
mesmo assim foi considerado culpado e, condenado à prisão perpétua na Ilha do Diabo, na Guiana Francesa.
Além de Èmile Durkheim e Julien Benda, Emile Zola e Anatole France, o poeta Charles Pèguy e os compositores
Alfred Bruneau e Albéric Magnard, foram destacados intelectuais empenhados na crítica ao caso. Sobre Benda,
Michel Winock (2000) em O século dos intelectuais destaca: “Julien Benda criou a teoria dos dois campos,
“das raças morais” , quando diz, precisamente, que o caso Dreyfus, antes de ser uma questão de moral, “é uma
questão de interesse biológico, uma manifestação de inaptidão, ou de aptidão para a vida [...] que todas as crises
da história põem em confronto.” (WINOCK, 2000, p. 68).