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Em segundo lugar, colocando as ciências em uma esfera prática distinta da esfera teórica do
espírito, Croce chegou ao ponto de privar de status cognoscitivo o saber científico. De acordo com a
estrutura de seu pensamento filosófico, de fato, o conhecimento é sempre conhecimento do real histórico,
ele deve sempre dizer ao individual concreto. E as ciências, construindo leis gerais que dão a igualdade
geral independentemente do individual, não podem servir para conhecer a realidade concreta e viva. Daqui
a negação das leis científicas como conceitos e suas definição como pseudo-conceitos, ou seja, como
esquemas de utilidade prática e não cognoscitiva. Este segundo aspecto da concepção de Croce sobre as
ciências é, ao contrário, rejeitado por Gramsci. Para estes últimos, como vimos, as ciências experimentais
não são uma mera atividade prática, porque, enquanto superestruturas, enquanto ideologias, enquanto
terreno para a construção de aparelhos hegemônicos, elas são ricas em cultura. Nem são desprovidos de
valor cognoscitivo. Para Gramsci, os conceitos objetivos da ciência têm seu valor precisamente no fato de
que eles unificam culturalmente a humanidade, dando-lhe uma primeira base comum de conhecimento. Na
época anterior à unificação real da humanidade, a ciência se apresenta como a atividade humana que mais
representa o processo em direção a esta unificação.
E é precisamente sobre a questão da unificação da humanidade que ocorre o verdadeiro ponto de
diferença a respeito da concepção epistemológica do neo-idealismo de Croce. Para Croce, de fato, conceitos
teóricos e pseudo-conceitos práticos do espírito, embora sempre históricos e, portanto, modificando-se de
acordo com as mudanças da história, são já universais, enquanto produto de atividades puras. Concebendo
as atividades humanas como categorias a priori, válidas para todos os seres humanos, Croce mostra assim
que ele concebe a humanidade como já unificada, purificada de elementos ideológicos e conflitos de classe.
Nesta postulação de unidade da humanidade e do processo histórico já dado, opera o pressuposto político
da aceitação do sistema social existente.
Assim, por exemplo, em Di un equivoco concetto storico: la “borghesia”, discurso lido na
Academia de Ciências Morais e Políticas da Real Sociedade de Nápoles em 1928, onde, em polêmica com
a historiografia marxista, a burguesia é negada como um conceito histórico e identificada, “nella sua
purezza, come il complesso di tutti coloro che hanno vivo il sentimento del bene pubblico, ne soffrono la
passione, affinano e determinano i loro concetti a quest’uopo” (Croce 1928, p. 273). Da classe construtiva
da era moderna, ela se torna “una ‘classe non classe’, simile a quel ‘ceto generale’, a quell’allgemeine
Stand, al quale lo Hegel riconosceva come cerchia dell’attività che gli spettava, come suo proprio affare,
gl’‘interessi generali’, die allgemeine Interessen” (Croce 1928, p. 273). Ou em Poesia popolare e poesia
d’arte onde o povo é negado como uma realidade social e reduzido a uma construção sociológica, ou seja,
a uma série de “condizioni estrinsecamente e materialmente determinate” (Croce 1991, p. 24). Desta
maneira, a classe burguesa é reconhecida como representante dos interesses gerais de todas as classes, dos
valores de toda a humanidade, do conhecimento real de todos os seres humanos e do conceito de beleza de
todos os povos.