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meramente com a mobilidade de classes. Destaque-se, nesse processo, ainda, as tentativas
constantes de discutir as condições de inserção da mulher no contexto sócio-político e
cultural.
Durante muito tempo o feminismo se concentrou na luta pelos direitos das
mulheres brancas de classe média, deixando de lado mulheres pobres e da classe
trabalhadora, expulsando também as mulheres negras, latinas e de outras minorias étnicas
do campo do discurso coberto pela categoria “mulher” e das pautas desse feminismo
bastante específico. Deste modo, é necessário inserir nas pautas atuais de gênero o debate
da interseccionalidade – pautado como aspecto importante para a construção de
feminismos plurais e sensíveis a questões de raça, classe e idade, dentre outros aspectos
(DAVIS, 2018). No que se refere às pautas dos movimentos feministas, o feminismo vai
além da pauta de igualdade de gênero e, por isso, envolve muito mais do que somente o
gênero. Para Anegla Davis (2018), mas não somente para ela, por suposto, o feminismo
deve envolver a consciência em relação a uma série de elementos, inclusive no tocante
ao sistema opressor capitalista.
No campo das Relações Internacionais é notório, embora ainda tímido e gradativo,
o encontro entre as abordagens mais marginalizadas — dentre as quais o feminismo — e
as Teorias de Relações Internacionais mais influentes, usualmente chamadas de clássicas
(NASCIMENTO, 2021). Para situar possíveis leitoras e leitores de nosso texto, costuma-
se creditar que essa aproximação ocorreu em decorrência do intitulado “Terceiro Grande
Debate” (Positivismo x Pós-positivismo), das modificações nas camadas ontológicas e
epistemológicas pelas quais passaram as Relações Internacionais e das críticas às teorias
mais tradicionais e fechadas (MONTE, 2013). Para termos uma ideia de como se
desdobrou a questão, no ano de 1997, tornou-se famoso o debate de J. Ann Tickner com
Robert Keohane — até então um dos principais expoentes da área tanto em termos
teóricos quanto institucionais, tendo ocupado, inclusive, a cadeira de presidente da
International Studies Association (ISA), provavelmente a principal associação da área de
RI. No título de um dos seus principais artigos dessa época, endereçado a Keohane, a
autora expõe o problema em termos categóricos: You just don´t understand. Conforme
Tickner (1997), raramente o feminismo e as teóricas feministas alcançavam certo
engajamento com outros estudiosos de RI, sobretudo por ser propagado que “seu material
é mais adequado para leitura de cabeceira do que para discussões acadêmicas sérias”
(TICKNER, 1997, p. 612, tradução nossa).
Como já comentado anteriormente, no final da década de 1990, mostrava-se
necessário afirmar que as dimensões feminista e de gênero ainda estavam longe de ser
incorporadas devidamente como aspectos relevantes do “internacional” haja vista que,
para ele, o crescimento dos estudos sobre mulheres vinha sendo ignorado pelo campo
durante bastante tempo (HALLIDAY, 2007). Mais recentemente, o debate voltou ao
palco e muito se fala sobre a amplitude de feminismos com impactos distintos nas
Relações Internacionais. As epistemologias feministas trazem um avanço substancial
para o debate acadêmico de RI, conduzindo, sobretudo, o debate de gênero para o palco
da análise das estruturas internacionais de poder. Estipula-se que as intervenções
feministas costumam cruzar um certo padrão em diferentes disciplinas, inclusive nas
Relações Internacionais. Em relação a esse molde, o início é fixado por pressupostos,
métodos e teorias aceitas como tradicionais pelo campo. Ademais, a produção de