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Já nas reflexões sobre a questão meridional, no inacabado texto de 1926, às vésperas de
seu encarceramento, Gramsci assevera que o proletariado, para ser capaz de governar
como classe, deve se livrar de todo resíduo corporativo, “de todo preconceito ou
incrustação sindicalista” (GRAMSCI, 1971, p. 144). O partido é o elemento daquela
relação de forças que em Marx constitui a “superestrutura ideológica”, em que “os
homens tomam consciência” de seus conflitos e antagonismos:
Estamos aqui diante daquele movimento por meio do qual o particular (o
econômico-corporativo) é dialeticamente superado no universal (o ético-
político), elevação que Gramsci considera uma determinação essencial da
práxis política quando ela é tomada em seu sentido amplo (COUTINHO, 2009,
p. 105-106)
Partindo da crítica das concepções de política como paixão, de Croce, bem como do anti-
jacobinismo e economicismo sorelianos, e ainda acompanhando os estudos sobre a
natureza do moderno partido político em Weber e Michels, Gramsci elabora sua própria
e conhecida concepção dos traços fundamentais dessa organização moderna, em seu perfil
de massas:
Para que um partido exista, é necessário que haja confluência de três elementos
fundamentais (ou seja, três grupos de elementos): 1) Um elemento
generalizado, de homens comuns, médios, cuja participação é oferecida pela
disciplina e fidelidade, não pelo espírito criativo e altamente organizacional.
Sem eles o partido não existiria, é verdade, mas também é verdade que o
partido não existiria “só” com eles. Eles são uma força na medida em que há
quem os centralize, organize, discipline, mas na ausência dessa força coesiva
eles se dispersariam e desapareceriam em uma poeira impotente. (...) 2) O
elemento coesivo principal, que se centraliza no campo nacional, que faz com
que um conjunto de forças se torne eficiente e poderoso que, se deixado a si
mesmo, contaria zero ou muito pouco; este elemento tem uma força altamente
coesiva, centralizadora e disciplinadora. (...) 3) Um elemento médio, que
articula o primeiro com o terceiro elemento, que os põe em contato, não apenas
"físico", mas moral e intelectual. Na realidade, para cada partido existem
"proporções definidas" entre esses três elementos e a eficiência máxima é
alcançada quando essas "proporções definidas" são realizadas. (...) Diante
dessas considerações, pode-se dizer que um partido não pode ser destruído por
meios normais quando, uma vez que o segundo elemento necessariamente
existe, cujo nascimento está ligado à existência de condições materiais
objetivas (e se este segundo elemento não existe, todo raciocínio é vazio)
mesmo no estado disperso e errante, os outros dois não podem deixar de se
formar, ou seja, o primeiro que necessariamente forma o terceiro como sua
continuação e meio de expressão (GRAMSCI, 2001, pp. 1733-34).
Na passagem de primeira redação do texto acima, Gramsci (2001, p.1133) se refere à
chamada “lei das proporções definidas” da química para utilizá-la como metáfora das
condições para a transformação de um movimento em partido, ou “força política