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De fato, a década de 1990 e os anos iniciais deste século foram marcados por uma
forte hegemonia do pensamento econômico que vê o mercado como enteléquia, com um
contrapeso insuficiente do que se tem chamado de esquerdas e afins de uma visão mais
aberta e de progresso planetário inclusivo como a transformação produtiva do mundo com
equidade naquilo que poderia ser traduzido como um programa da esquerda, centro-
esquerda e outras formas progressistas.
Mesmo quando parecia haver exceções parciais naqueles anos, como o Brasil, não
havia nenhuma tendência de longo prazo com sucessos relevantes na economia, no social
e na política sob a égide de governos apoiados por uma coalizão de centro-esquerda
(Partido da Social Democracia Brasileira & Partido da Frente Liberal - PSDB-PFL, PT &
Partido Liberal - PT-PL, PT e Partido Republicano Brasileiro - PT-PRB e PT & Partido
do Movimento Democrático Brasileiro - PT-PMDB), que pudessem fazer eles se
diferenciarem do resultado medíocre da região (Castells, 2019).
Esse saldo insatisfatório de um período prolongado acabou produzindo em 2018
uma profunda frustração, um ceticismo, não só em relação à democracia, mas, sobretudo,
em relação aos resultados econômicos e sociais que dela se exigem, uma percepção de
exclusão de grande parte da cidadania, uma visão da globalização nada inclusiva (que de
fato assim aconteceu), prejudicial à maioria e uma visão crítica dos governantes vistos
como distantes e quase sempre corruptos (Castells, 2018).
A persistência de crises internas e externas (1997, 2001, 2008, 2016) foi
acompanhada no Brasil por uma verdadeira prova permanente ao sistema político e uma
amarga rejeição dos partidos políticos existentes.
Foi assim que tanto as eleições de 2018 realizadas no final desse período medíocre
e volátil quanto às realizadas no período da guinada supostamente bombástica, que
terminou com um impeachment em 2016, foram marcadas por um espírito rebelde e
mudança política como em 2013, que felizmente assumiu o caminho eleitoral, em meio a
crises ameaçadoras com desfechos violentos que infelizmente nos acometeram em nossos
200 anos de história.
Consequentemente, o que se generalizou foi à mudança e a mudança por meio de
eleições. A redução dessa mudança a um único tipo parece exagerada, ainda mais se
considerarmos as eleições presidenciais mais recentes, onde a maioria dos candidatos do
centro a direita venceu. Uma vez que em 2018 destacou-se a expressão do “voto
ressentido” numa democracia republicana em risco (Souza, 2019).
No entanto, essa visão é comum fora da região, seja nos EUA ou na Europa, de
perspectivas ideológicas muito diferentes. Nos Estados Unidos da América, por aqueles
setores que continuam a ser influenciados pela lógica de Carl Schmitt (1888-1985) amigo-
inimigo que seguiu na Guerra Fria, e na Europa por aqueles que têm uma nostalgia
insuperável de Régis Debray e daí de uma América Latina turbulenta, excitante e de alto
risco, de emoções fortes para eles e, para nós, experiências trágicas.
Antes de entrar ainda mais nos detalhes, é conveniente um banho de realismo.
Nem todas as mudanças tiveram orientações radicais: o México, tal como no Brasil, onde
esses países constituem mais da metade da população ibero-americana e cerca de 70% do
seu produto interno bruto (PIB), aparecem quando bem compreendidos num móvel
moderado do continuum de Bobbio, entre a centro-esquerda e centro-direita.