SEÇÃO DOSSIÊ
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O “MOVIMENTO ESCOLA SEM PARTIDO” COMO PARTIDO:
UMA ANÁLISE A PARTIR DE GRAMSCI
EL "MOVIMIENTO ESCUELA SIN PARTIDO" COMO UN PARTIDO:
UN ANÁLISIS DESDE GRAMSCI
THE "SCHOOL WITHOUT A PARTY MOVEMENT" AS A PARTY:
AN ANALYSIS FROM GRAMSCI
Handerson Fábio Fernandes Macedo
i
Marcia Soares de Alvarenga
ii
RESUMO
O presente texto se insere no âmbito das discussões sobre o Movimento Escola Sem Partido.
Compreendemos o referido movimento como materialização da confluência do conservadorismo
reacionário e do neoliberalismo, tendo como referencial teórico Antonio Gramsci e utilizando como base
dois importantes conceitos do marxista sardo, Hegemonia e Partido Político. Usando como fontes de
pesquisa as publicações do Movimento Escola Sem Partido, em redes sociais e sites mantidos por esta
organização, realizamos um debate analisando o Escola Sem Partido, expondo como tal movimento, apesar
de reivindicar neutralidade, na realidade atua e funciona como um verdadeiro partido na perspectiva da
formulação gramsciana, que organiza, dá corpo e voz para setores do conservadorismo reacionário. A
compreensão de tal movimento como um partido político na acepção gramsciana permite seu melhor
entendimento e também enfrentamento de suas ações.
PALAVRAS-CHAVE: Hegemonia. Partido Político. Escola Sem Partido.
RESUMEN
Este texto forma parte de las discusiones sobre el “Movimento Escola Sem Partido” (Movimiento Escuela
Sin Partido). Entendemos este movimiento como la materialización de la confluencia del conservadurismo
reaccionario y el neoliberalismo, teniendo como referencia teórica a Antonio Gramsci y tomando como
base dos importantes conceptos del marxista sardo, la hegemonía y el partido político. Utilizando como
fuentes de investigación las publicaciones del Movimiento Escuela Sin Partido, en las redes sociales y sitios
web que mantiene esta organización, realizamos un debate analizando la Escuela Sin Partido, exponiendo
cómo dicho movimiento, a pesar de reclamar neutralidad, actúa y funciona como un verdadero Partido en
la perspectiva de la formulación gramsciana, que organiza, da cuerpo y voz a sectores del conservadurismo
reaccionario. La comprensión de tal movimiento como partido político en el sentido gramsciano permite su
mejor entendimiento y también la confrontación de sus acciones.
PALABRAS CLAVE: Hegemonía. Partido político. Escuela Sin Partido.
ABSTRACT
The following text inserts itself among the discussion about the "Movimento Escola Sem Partido" (School
Without a Party Movement). The referred movement is comprised by the materialization of reactionary
conservatism confluenced with neoliberalism, based on Antonio Gramsci as a theoretical reference and
using as a base two concepts of the sardinian marxist, Hegemony and Political Party. Using the publications
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in social media and websites mantained by the the School Without a Party Movement as research sources,
we purpose a debate analysing and exposing how such movement, despite claiming neutrality, actually
works and functions as a real political party from gramscian formulation perspective, in which organizes,
embodies and gives voice to reactionary conservatism sectos of society. The comprehension of such
movement as a political party from gramscian sense allows its better understanding and confrontation of its
actions.
KEYWORDS: Hegemony. Political Party. School Without a Party
INTRODUÇÃO
[...] ninguém é desorganizado e sem partido, desde
que se entendam organização e partido em sentido
amplo, e não formal.
GRAMSCI
A Educação é um campo de disputa por hegemonia, refletindo o projeto de
sociedade pretendido pela classe dominante. Desta forma, não são poucos os ataques que
os profissionais deste campo sofrem, desde a desqualificação do professor quanto a sua
formação e à tentativa de controle da atividade docente.
Nesse último aspecto, o controle da atividade docente sempre passou por um
direcionamento sobre aquilo que o professor deveria trabalhar em sala de aula, desde o
estabelecimento de currículo mínimo a avaliações externas, entretanto, nos últimos anos,
vimos ser chocado
iii
um movimento que não apenas tem a pretensão de direcionar a
atuação docente, mas como determinar também aquilo que o professor e a escola podem
ou não abordar no contexto da sala de aula ou do espaço pedagógico, ou seja, assuntos
que deveriam ser proibidos de acordo com a concepção de mundo de tal movimento.
O Movimento Escola Sem Partido, que a partir daqui será chamado apenas por
Movimento da Mordaça
iv
, sob o pretexto de buscar uma suposta neutralidade da atividade
educacional, começou verdadeira perseguição, com aspectos de inquisição e censura, a
professores, conteúdos e livros escolares que divergem daquilo que consideram aceitável.
Perseguição essa que leva ao escracho público em redes sociais, a denúncias
administrativas e processos judiciais contra professores e escolas.
Compreendemos o Movimento da Mordaça como uma expressão orgânica do
conservadorismo que vem não ganhando força com o neoliberalismo a partir da década
de 1990, mas como se intensificando nos últimos anos, principalmente a partir de 2013,
quando se inicia no Brasil aquilo que alguns autores e críticos sociais chamam de “Onda
Conservadora” (DEMIER, HOEVELER, 2016; BURITY, 2018), que levou ao Golpe de
2016 e à eleição presidencial de Jair Bolsonaro em 2018. Dessa forma, entendemos o
Movimento da Mordaça como um instrumento da confluência dessas forças,
conservadoras e neoliberais, que buscam reforçar sua hegemonia na sociedade,
garantindo o consenso e, também, a liderança cultural a partir do momento que silenciam
profissionais da educação, impedindo que estes tragam visões e interpretações de mundo
que sejam conflitantes com a perspectiva conservadora e neoliberal.
Entendemos que o que está em questão quando se estuda e analisa o Movimento
da Mordaça é justamente uma disputa pela hegemonia, em que o referido movimento
intenta, através da perseguição política e do silenciamento dos profissionais da educação
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e da universidade pública, ou seja, da coerção, manter a direção moral e cultural da
sociedade.
Roio (2020, p.13) aponta que estamos em momento de profunda crise de
hegemonia, que apresenta como tendência a procura por poderes cesaristas e o reforço do
Estado policial como solução. Nesta perspectiva, os autores argumentam ser o
Movimento da Mordaça um sintoma deste momento de crise de hegemonia que vivemos,
transformando pais e alunos numa espécie de polícia política que, a todo instante, vigiam
profissionais da educação.
O presente texto nasce da necessidade de se debater e discutir, a partir das
contribuições do militante marxista e filósofo Antonio Gramsci, a compreensão que
desenvolvemos do Movimento da Mordaça como um partido político, possuindo seus
próprios intelectuais e concepção de mundo, que organiza determinados setores da
sociedade, que busca construir ou consolidar a sua hegemonia.
Neste sentindo, organizamos o desenvolvimento do trabalho em três seções: a
primeira, onde apresentamos e discutimos a compreensão de hegemonia em Gramsci; a
segunda, em que discutimos a compreensão de Partido Político também a partir de
Gramsci, passando por outras categorias, como Estado Integral e Intelectual Orgânico; e
a terceira, em que, a partir dos debates realizados nas outras seções e de fontes primárias,
apontamos como o Movimento da Mordaça, apesar de seu discurso de neutralidade e
apartidarismo, é na realidade também um partido político.
A COMPREENSÃO DA HEGEMONIA EM GRAMSCI
Consideramos discutir sobre o conceito de Hegemonia em Gramsci uma tarefa
difícil, mas que, entretanto, demonstra-se extremamente necessária para o objeto deste
texto, pois entendemos que o Movimento da Mordaça apresenta por objetivo exatamente
a manutenção ou mesmo construção e consolidação do consenso e da hegemonia em
torno de uma concepção conservadora reacionária de Educação, assim como da própria
sociedade também.
Entendemos ser uma tarefa difícil por que a concepção de Hegemonia em Gramsci
está implicada em toda sua vasta e complexa obra. De acordo com Gruppi, “Antonio
Gramsci, sem nenhuma dúvida, foi o teórico marxista que mais insistiu sobre o conceito
de hegemonia” (1978, p.1). E, assim como é um conceito que se apresenta em toda em
todo seu trabalho, discuti-lo separadamente de outros conceitos e categorias elaborados
pelo autor seria algo praticamente impossível.
Para Abreu, a definição dada por Gramsci para hegemonia é “direção intelectual
e moral e domínio político, exercidos por uma classe, em condições históricas
determinadas” (ABREU, 2018, p.389). Isto é, pode-se entender hegemonia como uma
classe dirigindo e comandando a sociedade com base em seus próprios valores e
concepção de mundo. No entanto, isso não significa negar a existência de outras classes
sociais, mas sim de reconhecer que a classe que detêm a hegemonia é aquela que a
direção para a sociedade.
Recorrendo ao próprio Gramsci, este afirma que:
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O exercício “normal” da hegemonia, no terreno tornado clássico do regime
parlamentar, caracteriza-se pela combinação da força e do consenso, que se
equilibram de modo variado, sem que a força suplante em muito o consenso,
mas, ao contrário, tentando fazer com que a força pareça apoiada no consenso
da maioria, expresso pelos chamados órgãos da opinião pública jornais e
associações , os quais, por isso, em certas situações, são artificialmente
multiplicados. (GRAMSCI, 2002a, p.95)
Desta forma, compreendemos, a partir do autor, que a classe dominante e,
consequentemente, hegemônica, somente se mantém nesta posição quando consegue
fazer uso da força ou da coerção e do consenso de forma equilibrada. Ou seja, isso
significa que o uso exclusivo da força não sustenta a classe dominante nesta posição, é
justamente o oposto, é o consenso e a hegemonia conquistados pela classe dominante que
legitimam o uso da força e coerção pela mesma. Se isso não ocorre, ou seja, se ação
coercitiva tem maior peso que o consenso, ao invés do equilíbrio entre ambas, quer dizer,
se a classe dominante perde o consenso na sociedade, abusando da força para a
manutenção de seus status, mesmo tendo legitimidade do Estado para isso, acontece
aquilo que Gramsci vai chamar em sua obra de crise de hegemonia.
Percebe-se, desta forma, que o conceito de hegemonia envolve outros aspectos e
que é um conceito de fundamental importância não apenas para a compreensão do
pensamento de Gramsci, mas como principalmente para o entendimento da própria
sociedade. De acordo com Gruppi,
[...] o conceito de hegemonia é apresentado por Gramsci em toda sua
amplitude, isto é, como algo que opera não apenas sobre a estrutura econômica
e sobre a organização política da sociedade, mas também sobre o modo de
pensar, sobre orientações ideológicas e inclusive sobre o modo de conhecer
(1978, p.3).
O pouco que foi exposto até aqui deixa clara a importância de se compreender
o conceito de hegemonia a partir da concepção e compreensão de Gramsci para se analisar
o Movimento da Mordaça, visto o entendimento que todo e qualquer projeto de Educação
representa também um projeto de sociedade, da mesma forma que o inverso também é
válido, ou seja, todo projeto de sociedade revela-se também um projeto de Educação, que,
neste caso específico, tem por intenção construir ou assegurar a hegemonia e consenso de
um grupo conservador reacionário
v
.
Fica evidente, no debate atual, como a escola possui um papel de destaque para
qualquer classe ou fração de classe que queira ser hegemônica ou garantir sua hegemonia,
se constituindo num aparelho de construção hegemônica da classe dominante.
Schelesener contribui para este pensamento ao afirmar que “o projeto social moderno,
das classes dominantes, direciona as políticas educacionais voltadas para a educação
popular a fim de cumprir os objetivos de consolidação da hegemonia” (2016, p.172).
A mesma autora, em outro momento, corrobora com o exposto acima, afirmando
A educação, portanto, tem uma dimensão política por fazer parte do processo
de organização social e de formação do comportamento de acordo com os
objetivos e finalidades do projeto econômico e social em curso, entendendo-se
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política em sentido amplo, a partir da divisão da sociedade em classes sociais
antagônicas. Neste contexto, a educação pode se apresentar como um dos
mecanismos de assimilação das relações de poder vigentes e de consolidação
das formas de domínio (SCHLESENER, 2016, p.158).
Na mesma perspectiva, Mészáros (2008) aponta que um dos principais objetivos
da educação formal ou institucional em nossa sociedade é justamente a produção de
conformidade e consenso, com transmissão de valores que legitimam os interesses da
classe dominante.
Como o próprio Gramsci afirma, “toda relação de hegemonia é necessariamente
uma relação pedagógica [...]” (1999, p.399). Marx e Engels, em A Ideologia Alemã, ao
abordarem a questão da dominação, acabam também por contribuir para esse debate, pois,
de acordo com eles,
[...] toda classe que almeje à dominação, ainda que sua dominação, como é o
caso do proletariado, exija a superação de toda a antiga forma de sociedade e
a superação da dominação em geral, deve primeiramente conquistar o poder
político, para apresentar seu interesse como o interesse geral, o que ela no
primeiro instante se vê obrigada a fazer. (MARX, ENGELS, 2007, p.37)
Entendo que Marx e Engels estão afirmando que qualquer classe que objetive ser
dominante, hegemônica, tem necessariamente que buscar atrair as classes ou grupos
adversários e antagônicos para seus próprios interesses o que ocorre a partir da
divulgação de seus valores e concepção de mundo pelos aparelhos privados de hegemonia
, para que estas os aceitem como se fossem seus próprios interesses, como se fossem
originários daquela própria classe ou grupo social, formando ou conquistando então o
consenso passivo.
Nesta mesma perspectiva, Gramsci afirma:
a supremacia de um grupo social se manifesta de dois modos, como “domínio”
e como “direção intelectual e moral”. Um grupo social domina os grupos
adversários, que visa a “liquidar” ou a submeter inclusive com a força armada,
e dirige os grupos afins e aliados. Um grupo social pode e, aliás, deve ser
dirigente antes de conquistar o poder governamental (esta é uma das
condições principais para a própria conquista do poder); depois, quando exerce
o poder e mesmo se o mantém fortemente nas mãos, torna-se dominante, mas
deve continuar a ser também “dirigente” (2002b, p.62-63).
Apesar de Marx e Engels afirmarem que a classe que queira ser dominante deve,
antes de qualquer coisa, “conquistar o poder político” (MARX,ENGELS, 2007, p.37) e
Gramsci aponte que o grupo social pode e deve ser dirigente antes mesmo de “conquistar
o poder governamental” (GRAMSCI, 2002b, p.62), tais afirmativas não são conflitantes,
visto que “poder político” e “poder governamentalnão possuem o mesmo significado,
não devendo haver confusão entre tais termos.
O “poder político”, nas palavras de Marx e Engels, está relacionado ao próprio
sentido de direção política usado por Gramsci, enquanto, ao falar em “poder
governamental”, o filósofo marxista estabelece uma analogia com seu conceito de
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sociedade política, que representa o próprio Estado na compreensão de Marx e Engels.
Sendo assim, “conquistar o poder político” é se transformar ou se impor como classe
dirigente, conseguir divulgar sua concepção de mundo para as demais classes sociais ou
frações de classe, de forma que estas as aceitem como se sua fosse, enquanto “conquistar
o poder governamental” significa que esta mesma classe conseguiu não apenas se tornar
a classe dirigente, mas como dominante também, ou seja, conseguiu conquistar, construir
e consolidar sua hegemonia ante os outros grupos que compõem a sociedade.
Desta forma, levando-se em consideração a importância que o conceito de
hegemonia apresenta para o entendimento da sociedade, compreende-se que qualquer
discussão que tenha por objetivo abordar o papel da Educação nela, deve levar em
consideração a concepção de hegemonia em Gramsci, pois ao se falar em Educação
dentro de uma sociedade em que a burguesia é hegemônica, principalmente pensando-se
na educação da classe trabalhadora, está se discutindo justamente questões que podem
servir para reforçar essa hegemonia e concepção de mundo ou, no caso daqueles que são
comprometidos com as classes subalternizadas, que sirva de instrumento para a classe
trabalhadora fazer frente à hegemonia burguesa.
Então, ao compreendermos, como exposto em outro momento, que toda relação
de hegemonia é também uma relação pedagógica, assim como todo projeto de educação
reflete-se necessariamente num projeto de sociedade, cabe-nos questionar como o
Movimento da Mordaça atua como um partido e a sua contribuição para a consolidação
de uma hegemonia reacionária.
O PARTIDO POLÍTICO NA ACEPÇÃO DE ANTONIO GRAMSCI
Da mesma forma que o conceito de Hegemonia, apontamos ser importante
discutirmos a concepção de Partido a partir da perspectiva de Gramsci, debatendo também
outros conceitos e categorias que giram em torno desta. Compreende-se que debater estes
outros conceitos é fundamental, visto que o próprio filósofo e militante marxista Antonio
Gramsci estabelece uma análise da realidade social a partir de uma perspectiva
totalizadora, ou seja, ao olhar um aspecto cultural, por exemplo, ele leva em consideração
também aspectos econômicos e políticos.
Desta forma, para chegar-se à discussão sobre Partido em Gramsci, iniciamos pela
concepção que este autor nos traz sobre a ideia de Estado Integral ou Estado Ampliado,
cujo qual é composto pelo que ele denomina de sociedade política e sociedade civil. De
acordo com o autor, “por ‘Estado’, deve-se entender, além do aparelho de governo,
também o aparelho ‘privado’ de hegemonia ou sociedade civil” (GRAMSCI, 2002, p.254-
255). Ou seja, para ele o Estado só pode ser compreendido quando olhado e analisado em
sua completude, sendo essa divisão entre sociedade política e sociedade civil apenas
didática.
Os aparelhos de governo formam justamente a sociedade política, ou o Estado em
sentido estrito, na concepção de Marx e Engels. Nas palavras de Gramsci, a sociedade
política, “na linguagem comum, é a forma de vida estatal a que se dá o nome de Estado e
que vulgarmente é entendida como todo o Estado” (GRAMSCI, 2002, p.279).
Sendo mais claro e direto, a sociedade política, composta pelos aparelhos de
governo, é responsável pelos elementos de coerção para manutenção da ordem
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estabelecida, da classe dominante. Ou seja, a sociedade política, a partir da perspectiva
que o autor italiano nos traz, é a utilização da força, da imposição, o que pode ocorrer
pela atuação da polícia, do judiciário ou de outras instituições de dominação e coerção
que compõem parte do Estado Ampliado.
a sociedade civil compreende-se ser composta pelos chamados aparelhos
privados de hegemonia, isto é, entre as inúmeras instituições que poderíamos citar, temos
as escolas, igrejas, sindicatos, imprensa e, aquela que interessa para este artigo, os
partidos políticos. Todas aquelas instituições que colaboram para a construção ou
consolidação do consenso, de uma determinada concepção de mundo e hegemonia na
sociedade.
Coutinho afirma que, para Gramsci, a sociedade civil é “portadora material da
figura social da hegemonia, como esfera de mediação entre infraestrutura econômica e o
Estado em sentido restrito” (COUTINHO, 1992, p. 73).
Os aparelhos privados de hegemonia, ao contrário dos aparelhos de governo que
atuam pela coerção , buscam a manutenção da ordem pela construção e consolidação da
hegemonia, do consenso. Nesse sentido, Gramsci afirma que a sociedade civil, mediante
os aparelhos privados de hegemonia, constrói um:
Governo com o consenso dos governados, mas com o consenso organizado,
não genérico e vago tal como se afirma no momento das eleições: o Estado tem
e pede o consenso, mas também ‘educa’ este consenso através das associações
políticas e sindicais, que, porém, são organismos privados, deixados à
iniciativa privada da classe dirigente (2002a, p.119).
Percebemos como a sociedade política e a sociedade civil são elementos que
caminham lado a lado na formação e composição do Estado Integral ou Estado Ampliado,
buscando a constituição de uma hegemonia a partir do ponto de vista da classe dominante.
É nesta perspectiva, de consolidação e aprofundamento de uma determinada
hegemonia, que se insere a discussão sobre os Partidos. Gramsci, ao apresentar o conceito
de Partido, faz uma distinção, primeiramente apontando-o como ferramenta que tem
como objetivo solucionar problemas na sociedade e, segundo, como organizador da
ideologia de determinada classe ou fração de classe.
Nas palavras do próprio autor, a:
Distinção no conceito de partido: 1) O partido como organização prática (ou
tendência prática), isto é, como instrumento para a solução de um problema ou
de um grupo de problemas da vida nacional ou internacional. [...] 2) O partido
como ideologia geral, superior aos vários agrupamentos mais imediatos
(GRAMSCI, 1999, p.420-421).
Desta forma, percebe-se que o Partido é um aparelho privado de hegemonia, sendo
uma ferramenta ou instrumento utilizado pela classe ou frações da classe dominante
para o exercício da sua hegemonia, assim como também pode e deve ser usado pelas
classes ou frações das classes subalternizadas com o objetivo de construir ou expandir
seu movimento de disputa de hegemonia contra os interesses da classe dominante.
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Interessante perceber que, embora o militante da práxis Antonio Gramsci faça essa
distinção sobre a concepção de partido, o partido age ou atua levando em consideração
os dois aspectos apontados por ele. O partido somente consegue ser um instrumento de
classe para a solução de algum problema justamente porque ele atua como organizador
que unifica na superestrutura, ou seja, no campo da ideologia, das estratégias de
construção da hegemonia de uma determinada classe, aquilo que se apresenta como
problema na base, na infraestrutura.
Essa conclusão casa com o apontamento feito pelo autor sobre a história de um
partido ser a história de uma determinada classe ou grupo social (GRAMSCI, 2002a),
pois se compreende que a solução para os problemas que afligem determinada classe ou
grupo social estarão sempre interligadas também com a ideologia que organiza e estrutura
aquela mesma classe.
Ao colocar como papel do Partido a organização da ideologia de uma determinada
classe, Gramsci aproxima sua concepção de Partido com a de intelectual orgânico, sendo
o partido, então, aquilo que será considerado pelo autor como um Intelectual Coletivo.
Vejamos nas palavras de Gramsci:
1) para alguns grupos sociais, o partido político é nada mais do que o modo
próprio de elaborar sua categoria de intelectuais orgânicos, que se formam
assim, e não pode deixar de formar-se, dadas as características gerais e as
condições de formação, de vida e de desenvolvimento do grupo social dado,
diretamente no campo político, filosófico, e não no campo da técnica produtiva
[...] 2) o partido político, para todos os grupos, é precisamente o mecanismo
que realiza na sociedade civil a mesma função desempenhada pelo Estado, de
modo mais vasto e mais sintético, na sociedade política, ou seja, proporciona
a soldagem entre intelectuais orgânicos de um dado grupo, o dominante, e
intelectuais tradicionais; e esta função é desempenhada pelo partido
precisamente na dependência de sua função fundamental, que é a de elaborar
os próprios componentes, elementos de um grupo social nascido e
desenvolvido como “econômico”, até transformá-los em intelectuais políticos,
qualificados, dirigentes, organizadores de todas as funções inerentes ao
desenvolvimento orgânico de uma sociedade integral, civil e política (2001,
p.24)
Levando-se em consideração que “todo partido seja a expressão de um grupo
social” (GRAMSCI, 2002a, p.59), entende-se, então, a partir do trecho acima citado, que
o partido político constitui-se na forma que esse mesmo grupo ou classe social tem para
produzir não apenas seus intelectuais orgânicos, mas como o próprio partido tornar-se um
intelectual coletivo, visto, além de seu papel de organização das funções da sociedade,
mas também de dirigente da classe ou grupo social que o mesmo representa.
Os intelectuais que integram o partido político exercem a função de organizadores
da hegemonia, são educadores, pois, como bem argumenta Antonio Gramsci (2001, p.
25) “[...] um partido poderá ter uma maior ou menor composição do grau mais alto ou do
mais baixo, mas não é isto que importa: importa a função, que é diretiva e organizativa,
isto é, educativa, isto é, intelectual”.
Para Gramsci, não é suficiente que novo intelectual seja eloquente, momentâneo
dos afetos e das paixões, que o novo intelectual seja movido por paixões temporárias, mas
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que tenha capilaridade. Porém, do novo intelectual se espera uma inserção ativa na vida,
capilaridade na vida social. Trata-se de se viabilizar como um “organizador da cultura”
em permanente ação de construção de obtenção de consentimento dos dirigidos.
Desta forma, entende-se que o Movimento da Mordaça, mais do que um simples
movimento, ele é na verdade um partido político, entendido de forma ampla, um dos
grupos de organização da ideologia dominante e dirige setores do conservadorismo
reacionário existentes na sociedade brasileira, como será explicado adiante.
O PARTIDO MOVIMENTO DA MORDAÇA: UMA ANÁLISE DE SEU
PROGRAMA
As discussões realizadas anteriormente, sobre a concepção de Hegemonia e
Partido em Gramsci, além de outros conceitos que permeiam estes, permitirão que sejam
realizados aqui os apontamentos sobre porque o Movimento da Mordaça, apesar de
reivindicar uma suposta neutralidade da Educação e colocar-se como apartidário, pode
ser compreendido como um partido político.
Pensando inicialmente na distinção que Gramsci faz sobre o conceito de partido,
que discutimos antes, o primeiro ponto colocado pelo autor marxista é que o partido é um
instrumento para a solução de um problema. Ao levantarmos as fontes pelas quais o
Movimento da Mordaça expõe suas concepções ideológicas, lemos:
A imensa maioria dos educadores e das autoridades, quando não promove ou
apoia a doutrinação, ignora culposamente o problema ou se recusa a admiti-lo,
por cumplicidade, conveniência ou covardia.
O Escola sem Partido foi criado para mostrar que esse problema não apenas
existe, como está presente, de algum modo, em praticamente todas as
instituições de ensino do país. [...]
Ajude-nos a promover a liberdade de pensamento e o pluralismo de ideias nas
escolas brasileiras (ESCOLA SEM PARTIDO, 2019a).
Podemos entender pelo trecho acima que o movimento identifica aquilo que, para
ele, representa um problema, ou seja, uma suposta prática ou apoio à doutrinação por
parte de profissionais da educação e autoridades, afirmando ser um problema que permeia
quase todas as instituições de ensino, terminando o trecho num chamado para que o
movimento seja ajudado por aqueles que defendem sua pauta e concepção de mundo.
Em outro trecho essa ideia do Movimento da Mordaça como um instrumento para
divulgar o que entende ser um problema fica mais evidente:
O Escola sem Partido, foi criado para dar visibilidade a um problema
gravíssimo que atinge a imensa maioria das escolas e universidades brasileiras:
a instrumentalização do ensino para fins ideológicos, políticos e partidários. E
o modo de fazê-lo é divulgar o testemunho das vítimas, ou seja, dos próprios
alunos (idem).
Percebemos que o Movimento da Mordaça se organiza justamente para dar
visibilidade a uma determinada questão, aquilo que ele acusa e chama de
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“instrumentalização do ensino para fins ideológicos, políticos e partidários”, formando
então uma instituição da sociedade civil.
Os dois trechos não fazem um apontamento e identificação para aquilo que
consideram um problema, mas realizam um chamamento público para que mais pessoas
se juntem a causa do movimento, aumentando o poder de pressão sobre profissionais da
educação, instituições de ensino e secretarias de educação.
Vejamos o que mais o Movimento da Mordaça diz:
A pretexto de transmitir aos alunos uma “visão crítica” da realidade, um
exército organizado de militantes travestidos de professores abusa da liberdade
de cátedra e se aproveita do segredo das salas de aula para impingir-lhes a sua
própria visão de mundo (idem).
Fica evidente, pelo menos para nós, que a intenção do movimento é impedir aquilo
que ele aponta como “visão crítica da realidade”, ou seja, todo tipo de conteúdos e
temáticas que divirjam e contrariem a sua própria visão e concepção de mundo,
representada por aquilo que o movimento defende. Ora, impedir ou tentar impedir que as
instituições de ensino e seus profissionais trabalhem por uma perspectiva crítica dos
problemas da sociedade, sob um pressuposto de defesa da neutralidade do conhecimento
e da acusação vaga que isso seria doutrinação, é justamente agir para a construção e
conservação do status quo, de uma determinada perspectiva de hegemonia conservadora
reacionária na sociedade.
Podemos ter certeza de ser uma perspectiva conservadora reacionária quando
focamos nossa atenção para as pautas que mais incomodam o Movimento da Mordaça
ou aquelas que mais lhe fizeram conquistar apoio em diversos setores da sociedade , ou
seja, as que estão relacionadas às questões de sexualidade e gênero, amplamente atacadas
por grupos religiosos
vi
.
Não obstante, a defesa de uma suposta neutralidade do conhecimento e da
educação é algo a ser questionado e apontado sobre a visão de mundo que o movimento
possui. Enxerga doutrinação na “visão crítica da realidade”, mas não percebe doutrinação
naquilo que está de acordo com os próprios valores, como se percebe em trecho de um
artigo escrito por Nagib (2011), “[...] o educador do passado – para quem a educação era
apenas uma forma de transmitir um conhecimento objetivo sobre a realidade deveria
ser substituído por um novo tipo de profissional”.
Como se existisse “transmitir conhecimento objetivo sobre a realidade” que não
fosse impactada por questões do próprio professor, sua concepção de mundo, ou como,
se possível fosse, isso não representasse também uma questão de ideologia, no caso, não
questionar a realidade.
Defender uma suposta neutralidade
vii
do conhecimento e da educação, por si só,
já é se posicionar, tomar partido, o que, numa sociedade tão desigual, racista, machista e
lgbtfóbica como a que vivemos, significa estar ao lado do opressor.
Sobre a (im)possibilidade de neutralidade, Lênin (2001) afirma:
[...] numa sociedade baseada na luta de classes, não pode existir qualquer
ciência social imparcial. De uma forma ou de outra, qualquer ciência oficial e
liberal defende a escravidão assalariada [...]. Esperar que a ciência fosse
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imparcial numa sociedade de escravidão assalariada seria uma ingenuidade tão
pueril como esperar que os fabricantes sejam imparciais quanto a questão da
conveniência de aumentar os salários dos operários diminuindo os lucros do
capital (p. 63).
Certo de que apenas tais apontamentos não são suficientes para considerarmos
esse movimento como um partido, chamamos a atenção para o segundo item na distinção
do conceito de partido que Gramsci faz, ou seja, como “tendência geral ideológica, como
forma cultural” (1999, p.279), que está acima de inúmeros agrupamentos.
O Movimento da Mordaça não atua apenas como uma instituição da sociedade
civil que recolhe depoimentos e denúncias daquilo que consideram doutrinação, mas
serve como uma entidade que organiza, corpo e voz para diferentes grupos
conservadores e religiosos.
No site do Programa Escola Sem Partido era possível encontrar uma aba sobre as
eleições de 2018 em que havia dezenas de candidatos aos cargos de deputados estaduais,
governadores e deputados federais, que assinaram uma carta de compromisso público
com a pauta do Movimento, sendo todos eles eram citados nominalmente, com indicação
de partido, número e o estado pelo qual estavam concorrendo. A carta de compromisso
pode ser conferida na imagem 1.
Imagem 1: Termo de compromisso
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Fonte: https://twitter.com/escolasempartid/status/1033489979224281091
Sobre candidatos ao cargo de presidente, a partir da identificação que o
Movimento da Mordaça estabelece, com base em um teste da Revista Veja, aponta os que
seriam favoráveis à pauta que defende, então faz uma publicação no Twitter convidando-
os a assinarem o compromisso político público com o movimento, como podemos ver na
imagem 2.
No Facebook era possível encontrar uma gina chamada “Candidatos Pelo
Escola Sem Partido”, que continha listas de candidatos a vereadores e prefeitos de
inúmeros municípios do Brasil, na eleição de 2016, assim como listas dos candidatos que
apoiavam o movimento na eleição de 2018, o que potencializou a divulgação destes
candidatos nas redes sociais, trazendo maior visibilidade para a pauta
viii
.
Imagem 2 Candidatos à presidência que apoiam o Movimento da Mordaça
Fonte: https://twitter.com/escolasempartid/status/1033489519390146565
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O site do Programa Escola Sem Partido não existe mais, foi unificado ao site do
Movimento da Mordaça, que passou por reformulações e, infelizmente, hoje não é mais
possível conferir a lista de candidatos que foram apoiados pelo movimento. Entretanto,
pela ferramenta weyback machine, é possível visualizar o que foi salvo do site do
programa, sendo possível ver uma aba chamada “ESP NAS ELEIÇÕES 2016”, conforme
imagem 3 e também um link para as eleições de 2018, na imagem 4.
Imagem 3 ESP nas eleições 2016
Fonte: https://web.archive.org/web/20161106063748/http://www.programaescolasempartido.org/
Imagem 4 Eleições 2018
Fonte: https://web.archive.org/web/20181229121643/https://www.programaescolasempartido.org/
Fica evidente que, embora não seja um partido político oficialmente, no sentido
institucional, o Movimento da Mordaça age como um ao buscar que sua pauta seja
apoiada publicamente por candidatos ou pessoas que possuem mandatos, tanto no
Poder Legislativo, quanto no Poder Executivo, assim como ao apoiar esses mesmos
candidatos que se comprometem publicamente com o mesmo.
Gramsci afirma:
Embora todo partido seja a expressão de um grupo social, e de um grupo
social, ocorre que, em determinadas condições, determinados partidos
representam um grupo social na medida em que exercem uma função de
equilíbrio e de arbitragem entre os interesses de seu próprio grupo e os outros
grupos, fazendo com que o desenvolvimento do grupo representado ocorra
com o consenso e com a ajuda dos grupos aliados, se não mesmo dos grupos
decididamente adversários (2002a, p.59).
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O que está sendo colocado é que, independentemente da filiação partidária de cada
candidato nas eleições, todos eles, assim como seus próprios partidos, de certa forma
tornaram-se representantes do Movimento da Mordaça, levando adiante sua pauta e
ajudando a construir um consenso em torno dela, assim como garantir uma hegemonia
conservadora reacionária.
Para encerrar essa discussão, uma síntese das reflexões realizadas por Gramsci,
que com certeza tira qualquer dúvida sobre o Movimento da Mordaça poder ser lido e
compreendido como um partido político, o autor diz:
Será necessária a ação política (em sentido estrito) para que se possa falar de
“partido político”? Pode-se observar que no mundo moderno, em muitos
países, os partidos orgânicos e fundamentais, por necessidade de luta ou por
alguma outra razão, dividiram-se em frações, cada uma das quais assume o
nome de partido e, inclusive, de partido independente (2002a, p. 349-350).
Gramsci dá fundamental relevo ao papel do partido como intelectual que organiza
e dá direção às lutas políticas, por compreender que estes têm origem na luta de classes e
nela se efetivam. Nesse sentido, Gramsci assinala que, na modernidade, os partidos
assumem posição para levarem a cabo a reforma intelectual e moral para conquista da
hegemonia.
Deve-se sublinhar a importância e o significado que têm os partidos políticos,
no mundo moderno, na elaboração e difusão das concepções do mundo, na
medida em que elaboram essencialmente a ética e a política adequadas a elas,
isto é, em que funcionam quase como “experimentados” históricos de tais
concepções (GRAMSCI, 1999, p.105).
Pode-se afirmar que o Movimento da Mordaça tem uma marca que o caracteriza
como um partido, pois representa a visão de mundo de grupos sociais que disputam o
sentido da escola, disputando, também, esta instituição para a elaboração da ética e da
política assumida pela filosofia da classe ou fração de classe que compartilham a visão
de mundo ao qual defendem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Longe de esgotar a temática e as possibilidades de análise, com o texto pretendeu-
se jogar maior luz sobre as ações do Movimento da Mordaça, ajudando na compreensão
que não suas ações não buscam uma suposta neutralidade afirmada pelo mesmo, mas
como, ainda que intencionasse tal objetivo, elas possuem impacto político de viés
conservador e de manutenção do status quo.
Embora fosse possível analisar também os partidos políticos institucionais que se
comprometeram com a pauta do movimento supracitado para comprovar seu
conservadorismo reacionário, tal empreitada extrapolaria em muito os objetivos
propostos para este momento.
O Movimento da Mordaça é um partido que age em muitas frentes, buscando
consenso na sociedade com a sua pauta, sendo seu principal meio de divulgação as redes
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sociais, com textos e vídeos, tirados de contexto, onde denunciam e expõem profissionais
da educação, gerando perseguição e censura aos mesmos; e também através da coerção,
intimidando profissionais da educação com denúncias, notificações extrajudiciais e
processos.
A busca por relações com políticos e partidos institucionais é apenas mais uma
forma do movimento agir, divulgar sua pauta e propagandear sua ideologia e concepção
de mundo, inclusive a partir de projetos de lei, visto que cada projeto proposto, aprovado
ou não, serve para chamar ainda mais a atenção sobre o mesmo, tanto na sociedade quanto
nos meios virtuais, ainda que seja derrubado depois pela via judicial por ser
inconstitucional, o que também tem uma funcionalidade para ele, pois serve para o
movimento atacar outras instituições, afirmando que a “ideologia esquerdista” está
entranhada por todo o Estado, angariando mais adeptos em setores ainda mais
reacionários da sociedade.
Apesar do Movimento da Mordaça ter anunciado o fim de suas atividades por
aquilo que apontou como “falta de apoio” do governo Bolsonaro, sua pauta continua
existindo, tanto por meio de políticos, quanto por meio de alunos, pais, mães e líderes
religiosos, deixando evidente que, independentemente de aprovação ou não de leis, a
pauta do movimento encontra eco em parcela da sociedade, garantindo sua hegemonia
ou, no mínimo, da manutenção de uma hegemonia burguesa.
Sendo assim, entende-se que o autor marxista Antonio Gramsci nos algumas
ferramentas que possibilitam uma melhor compreensão e interpretação desse movimento,
de sua busca pela conservação da hegemonia e de sua atuação como partido político.
Compreender o movimento como de fato ele é, ou seja, um partido político, permite um
melhor entendimento de suas ações, o que também pode se refletir numa melhor tática de
enfrentamento às suas pautas.
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NOTAS
i
Doutorando em Educação pelo Programa de Pós Graduação em Educação da Faculdade de Formação de
Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP-UERJ). Endereço eletrônico:
handersonfabio@gmail.com
ii
- Professora Associada da UERJ. Endereço eletrônico: msalvarenga@uol.com.br
iii
- A palavra “chocado”, nesse caso, faz alusão ao texto de Frigotto (2017), cujo qual o autor utiliza de uma
metáfora com o “ovo da serpente”, ao falar sobre surgimento e/ou crescimento de movimentos nazifascistas,
para tratar do nascimento do Movimento da Mordaça e como ele ameaça a Educação e a Democracia.
iv
- Optamos por manter o nome original do movimento no título, resumo e palavras chaves apenas por uma
questão dos algoritmos para plataformas de pesquisas na internet. Temos entendimento, com base no
próprio Gramsci e em Bakhtin, que a linguagem é um campo de disputa ideológica, de afirmação da
hegemonia, então a necessidade de se disputar também esse campo, apontando nossa a compreensão
sobre tal movimento e como de fato o enxergamos, isto é, um movimento que usa da censura e perseguição
a profissionais da educação.
v
- Compreendemos o conservadorismo reacionário na acepção que Apple (2002) traz sobre o neo-
conservadorismo, ou seja, como uma fração de classe que possui uma perspectiva romantizada do passado,
buscando então um retorno para o período romantizado.
vi
- O site escolasemmordaca.org.br possui uma aba onde é possível conferir os inúmeros projetos de lei
relativos ao Movimento da Mordaça existentes no Brasil, onde parcela considerável dos mesmos é apontada
na categoria “antigênero” e/ou “antipornografia”, o que por si demonstra o aspecto conservador dos
mesmos, visto os autores destes projetos considerarem a Educação Sexual no espaço escolar como
exposição de crianças e adolescentes a pornografia.
vii
- Considero importante reafirmar que é uma suposta neutralidade, pois embora o Movimento da Mordaça
afirme que ela deva ser buscada pelos profissionais da educação, é possível encontrar em seu site, na aba
blog, textos intitulados “Por uma educação liberal”, “A fanática ditadura da educação”, entre outros, que
não defendem abertamente uma determinada perspectiva política, mas se colocam inclusive contra o
direito à educação, deixando de lado completamente a suposta neutralidade por eles defendida e almejada.
viii
- Hoje tal página não existe mais. Assim como a página do Facebook “Escola Sem Partido” foi deletada
e excluída quando o movimento anunciou que encerraria suas atividades, o mesmo ocorreu com outras
páginas ligadas ao mesmo movimento. É possível encontrar alguns prints no site do movimento Professores
Contra o Escola Sem Partido. Ver em https://profscontraoesp.org/2016/09/11/destaques-da-vigilancia-o-
escola-sem-partido-nas-eleicoes-municipais-2016/
Recebido em 9 de setembro de 2021
Aceito em 13 de janeiro de 2023
Editado em fevereiro de 2023